Capítulo 4 - Mais frio

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- 1 3 de janeiro de 1 9 8 6 -

A última aula terminou antes que eu percebesse. Estava tão concentrado em resolver as contas de matemática quase impossíveis que não vi o tempo voar.
Arrumei minhas coisas sem muita pressa, guardando tudo na bolsa amarela.

Caminhei até meu armário. Eu me sentia cansado, exausto na verdade. Fazia tempo.
Encarei a porta fechada do armário, tentando me lembrar da senha do cadeado, já que minha cabeça se encontrava bagunçada e confusa.

- Oi, Chim. - Sua voz soou ao meu lado.

Eu me virei, olhando para você, e sorri, por alguns segundos, esquecendo do resto do mundo.

- Oi. - Murmurei.

- Porque você tá parado aí?

Voltei a encarar aquele pedaço de metal. Parecia que quanto mais eu tentava me lembrar, mais em branco minha mente ficava.

- Eu... Acho que esqueci minha senha. E... Eu preciso pegar o livro de física.

- Sério? - Você riu. Sua risada era muito bonita. Era melódica, e seu sorriso... Que visão para os meus olhos cansados - 081117.

Eu te encarei por mais alguns segundos antes de despertar do meu transe.

- Muito obrigado. Eu não sei o que aconteceu com a minha cabeça hoje. - Sorri, balançando a cabeça negativamente.

- De nada. Chim... Eu não vou poder voltar com você hoje.

Franzi as sobrancelhas, lhe olhando com dúvida.

- Eu vou acompanhar a Heather até em casa.

- Ah... Tudo bem. - Sorri.

- Desculpa, tá?

- Sem problemas, Jungkookie. - Meu olhar caiu sobre sua blusa cinza.

Onde o seu suéter deveria estar.

- Te devo um hambúrguer por isso! Te vejo amanhã! - Você sorriu, se virando em direção a saída.

Você não me abraçou, daquela vez.
Você sempre se despedia com um abraço...

Eu respirei fundo, fechando os olhos.

Me senti bem por não ter sentido vontade de chorar daquela vez. Era só o que eu vinha fazendo ultimamente.

Me limitei a pegar o livro e jogá-lo na bolsa, forçando meu corpo a caminhar.

Alcancei o meu walkman, colocando os fones sobre os ouvidos, na intenção de distrair minha mente.

O vento frio se chocou com o meu corpo quando pisei na rua, e eu estremeci, me arrependendo por, novamente, ter esquecido de botar uma roupa mais quente.
Me pus a caminhar... Seria um longo caminho até em casa.

Meu olhar se voltou até o outro lado da rua. Algumas árvores grandes e bonitas balançavam com o vento, e o sol, que apesar de estar brilhando um pouco, não aquecia minha pele.
O céu estava quase cinza, mas um pouco de azul ainda coloria a cúpula sobre mim. Por um segundo, me esqueci de tudo. Me senti aquecido.

Abaixei levemente o olhar, observando as pessoas caminhando pela calçada. Com seus casacos e cachecóis. As pessoas pareciam mais apressadas no inverno.

E então... Eu vi.

O ar abandonou meus pulmões por um segundos.

Você caminhava, um pouco a frente.
Os dedos dela entrelaçados aos seus, balançando lentamente enquanto a brisa fria assoprava os longos cabelos pretos de dela, os fazendo voar, junto a saia xadrez.

Meu peito se apertou, enquanto meus passos diminuíam.

Fitei enquanto ela soltava seus dedos, levando ambas as mãos até os braços, deslizando-as sobre o tecido azul macio. Seu suéter.

Você colocou o braço em volta do ombro dela, a puxando para mais perto, e ela deitou a cabeça no seu ombro.

Eu parei onde estava. Não consegui mais me mexer.

Os observei até que vocês virassem na próxima esquina.
Pisquei algumas vezes, olhando para o nada.

Eu estava ficando com mais frio.

Um sentimento estranho tomou conta de mim.
Eu continuei parado lá, tentando decifrar o que era aquilo.

As pontas dos meus dedos e do meu nariz pareciam gelados. Mas meu peito queimava.

Era ódio.

Ódio? De que?

De Heather?

Mas como eu poderia odiá-la? Ela era um anjo.

Ela era meiga, gentil, carinhosa...

Meus pensamentos voaram até o dia em que nós três saímos pra passear no shopping novo da cidade. Você queria que eu a conhecesse.
Ela usava um vestido vermelho, com um laço no cabelo, complementando o penteado bonito. 
Os olhos pequenos estavam brilhantes, o nariz delicado estava corado, assim como as suas bochechas. E a boca manchada com um batom rosa, formava um sorriso. Lindo, e angelical.

Ela tinha a voz doce e calma. O sorriso brilhante. Parecia tão feliz em ter você. Em me conhecer...

Mesmo que eu tenha sustentado um sorriso falso por horas, até que minhas bochechas doessem... Mesmo que eu tenha aguentado te ver sorrir pra ela, falar com ela, toca-lá, como nunca faria comigo... Mesmo que eu tenha chorado por horas quando cheguei em casa... Mesmo com a dor dilacerante...

Valeu a pena.

Te ver sorrir como um maluco.

Fazer de tudo pra arrancar um sorriso dela.

Olhar pra ela com os mesmos olhos com os quais olhava o céu.

O latido de Lennon, o cachorro da casa ao lado da minha, me tirou do transe no qual eu havia entrado.

Olhei em volta, confuso e assustado, por não ter percebido que eu já estava em casa.

Olhei para o outro lado da rua, observando sua casa, bonita e bem cuidada, com a luz da sala acessa. Talvez seu irmão mais velho estivesse em casa.

Subi os degraus da varanda, entrando em casa e subindo direto para o meu quarto, sem fazer muito barulho. Não queria falar com ninguém naquele momento.

Me joguei na cama grande, com os olhos fechados. Achei que assim eu dormiria de uma vez, e não precisaria pensar em nada até o dia seguinte.
Mas não foi o que aconteceu.

Rolei na cama por longos minutos, alternando o olhar entre os desenhos e pôsteres de bandas colados nas paredes.

Quando me dei conta, eu já chorava novamente.
Tentei secar as lágrimas do meu rosto, mas elas continuavam vindo, e vindo.

Eu não podia evitar. Era tanta dor... Tanto ódio...

Mas como eu poderia odiá-la, ela é um anjo.

Mas novamente... Meio que eu queria que ela estivesse morta.

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𝙷𝚎𝚊𝚝𝚑𝚎𝚛 - 𝙹𝚒𝚔𝚘𝚘𝚔;Onde histórias criam vida. Descubra agora