No século XVIII, um inventor possuidor de colossal imaginação, criou um dirigível.
A embarcação vermelha levou a ele e sua amada aos céus.
Felizes e orgulhosos de sua criação, sobrevoaram a França por dias, até que os ventos do mar de nuvens e pássaros sopraram errado.
Noutro dia, tive um sonho. Nele, você vinha a mim, dentro duma embarcação de um vermelho brilhante, com luzes amareladas que quebravam o vazio da escuridão noturna. Com um impulso sobre uma das asas, você se aproximou. Me ofereceu um anel de ouro e, ao acordar, deixei meus sonhos à cama e comecei nossa jornada.
Estava pronto! Estava, finalmente, pronto! Após anos de trabalho, o balão estava pronto. O grande dirigível rubro tinha metros e mais metros de comprimento, e mais outros tantos de altura e largura. Seu forte vermelho era de ser contrastado ao claro e azulado céu durante o dia e, durante a noite, deveria refletir muito da luz urbana que pairaria sobre, no ar. Era o maior projeto, minha magnum opus, agora finalizada. Minha ajudante, Nora, tirou os óculos de solda, enquanto a embarcação voadora soltava as últimas faíscas de sua construção. A mulher que fizera com que eu embarcasse nessa jornada anos atrás, através de um delírio de sono, finalmente, poderia comigo chegar aos céus. No dirigível caberiam até 40 pessoas, por mais que nossa tripulação fosse de apenas 5 — um oitavo de toda a capacidade. Lá dentro, espaços para plantações de vegetais, além de dois quartos, banheiro e cozinha. Na parte frontal da embarcação, perto da cabine de comandos, estava a sala de navegação, seguida pela sala de rádio e telégrafo. No meio, uma espécie de refeitório.
Partiríamos no mês seguinte aos céus. Durante o mês, divulgamos o evento do decolar para a cidade inteira. Nós éramos os dois maiores inventores dos últimos anos. A Europa inteira acabou por nos creditar. Foi um mês ocupado por farra, planejamento e convenções com repórteres e sujeitos curiosos sobre o assunto.
O mês passou e, numa manhã com clima perfeito e céu limpo. Centenas presenciavam o ascender do maravilhoso balão vermelho aos céus. Lá dentro, o capitão e seu auxiliar levavam a grande máquina aos céus, enquanto eu olhava através de uma das janelas laterais do refeitório. Nora abraçava minhas costas, quase chorando por ansiedade e orgulho. Comigo, nada diferente, a não ser que mantive mais compostura como o homem que devia ser. Eu girava uma moeda ao jogá-la aos ares, perdido em pensamentos sobre os próximos dias. Após alguns minutos, estávamos acima das nuvens da cidade de Bordéus. O som do vento era perfeito e cantava uma bela melodia.
O apito soava sobre o manto de fábricas que levantavam fumaça aos céus. Já era noite e, enquanto o capitão e o garoto do lastro faziam uma valsa tocada por instrumentos de pilotagem, dançávamos. Disparou-se o combustível, queimando. Passávamos logo entre navios feitos de latão, que velejavam em órbita, a verdadeira borda do mundo. Ainda mais tarde, no quarto, você prometeu-me uma canção de ninar. Sentada à cama, enquanto sua visão olhava para tudo e nada, sonolento, contei-te que construiríamos castelos sobre os céus, e os enfeitaríamos com as flores que cultivávamos no dirigível. Às pressas, você saiu do quarto enquanto eu quase dormia. Com olhos já fechados que precisavam recuperar anos de falta de descanso, ouvi o som do vento mais uma vez, com a esperança de apreciar novamente aquela belíssima melodia. Focando no som, entretanto, notei que algo havia mudado. Acho que soube que também sentiu que algo estava diferente. Acordei e, na manhã seguinte, notei que você me deixara sozinho, flutuando no azul do céu.
Sozinho estava eu, no que seria o mais infernal dos paraísos, com apenas mais dois tripulantes da embarcação voadora. Com o coração saindo pela boca, gritei, clamando aos céus "Ó, vento! Carregue-me. Carregue-me para longe! Carregue-me, pois até outro dia, até outro frio junho, estarei flutuando no escuro da noite, sobre esse errante balão. Imploro que a traga de volta a mim, vento! Sopre meu Holandês até ela!".
Delirava. Dois que se amavam, flutuando pela atmosfera. Prometi que seria para sempre, seu valente cavaleiro. E assim como nas histórias de François Laurent LeVieux d'Arlandes e Jean-François Pilâtre de Rozier, deveríamos flutuar entre as estrelas. Seria para sempre, seu fiel gondoleiro. Passou-se outro dia.
Noutra noite, sonhei por mais uma vez. Você vinha a mim, pelo que parecia, sobre um zepelim feito de cristais de vidro, vermelhos. Usando de uma calíope a vapor, você sentou e tocou uma música dedicada a mim. Era uma celeuma sobre meia-noite vagabunda e bagunçada. Através do telescópio do capitão, você olhava, enquanto soltava um anel de fumaça do cachimbo. Eu te observava. Tu eras como uma rosa esfumaçada, como uma flecha atirada do arco de algum anjo do Paraíso. E, agora, como uma canção que assombrava meus ouvidos.
Sendo pelo melhor ou pelo pior, percebi que isso seria nosso último verso juntos, um tributo em homenagem aos tempos prestes a desaparecer.
Mais um dia na embarcação. O responsável pela âncora estava descontente, então logo pela manhã, ouvi cantar uma música lamentosa, doce, enquanto eu jogava a mesma moeda aos ares, assim como fiz enquanto primeiro decolávamos. Ofereci-te, mentalmente, meu adeus — adeus este direcionado ao romance tempestuoso daqui de cima, que de certeza, era de um sentir tão eletrizante quanto o da tempestade formada nos mares que nossa embarcação velejava por.
Os dias se passavam, e você não voltou. Você nunca voltou. Continuei a procurar, com meu maravilhoso balão rubro. Dias e noites de lamentos e busca.
À escuridão de uma noite melancólica, joguei-me contra uma parede, enquanto chorava silenciosamente. Tal noite é agora. Eu não tinha mais pelo que viver, nem um lugar para retornar. Vou continuar a buscar por ti, não importa o preço.
Gritei chorando por ajuda, mas ninguém veio. Foi neste momento em que percebi. Eu era tudo que eu tinha. Mas o que seria isso? Essa luz forte e brilhante à frente? O que é? Diga-me, eu! Ah, eu vejo! Você finalmente voltou! Onde esteve, querida? Morri de preocupação. Como subiu aqui, querida?! Quer que eu desça? Mas isso é nosso sonho, querida. Eu entendo... entendo, sim. É claro que descerei, Nora! Por que não me procurou antes?! Sim, sim... eu entendo.
Perdoe-me, meu amor, mas sou tudo que tenho. Acredite ou não, o amor não vai nos salvar, pois sou tudo que tenho. Talvez, algum dia, Deus venha a me embraçar, portanto ajoelho e rezo. Fui tudo que você já teve. Agora, sou tudo que tenho. Tudo!
Me aproximo agora da beira de uma pequena sacada, enquanto choro, sabendo sem saber o que estava acontecendo. Finalmente me entregarei de volta à minha amada. Eu desço. Desço um pouco mais, e bem rápido. Um baque no chão, e todos estão agora ao meu redor. A luz se apaga aos poucos. Os sons ficam mudos. Os gritos somem. Não sinto mais nada. Não estou mais lá. Na minha frente, apenas um doce sorriso de uma belíssima dama que já se fora. Eu subo mais alto que o balão, e agora tudo fica branco. O canto dos pássaros surge, e Nora me abraça. O Éter é lindo.
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Medo Moderno & as Doenças da Mente
HorrorO conjunto que reúne inéditas obras de terror. A cada capítulo, uma nova história.