Capítulo 2

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E ele estava certo, Emestina não era um lugar ruim. Conhecida pelas belas fontes e parques montanhosos cobertos de paisagens magníficas, a cidade tinha até um clima mais pacífico e mais iluminado do que a anterior.

Pelo que ele escutara, Emestina tinha um comércio muito bem articulado. Os nobres locais se ocupavam com investimentos na extração de algodão para fazer tecidos finos, tanto é que a cidade era conhecida por ser rica, e isso agradava o nosso detetive sangue frio.

Tão logo ele entrou na cidade, notou que não passaria despercebido. Bem na entrada, deu de cara com um desfile cultural comum na primavera. As ruas estavam intrafegáveis com veículos empatando as possíveis saídas. Ele colocou a cabeça para fora da janela percebendo a fadigosa fila de carruagens e suspirou pensando em dar a volta, mas isso seria impossível naquelas circunstâncias. Do outro lado da rua, passavam carruagens belas usadas em períodos atrás. Aquilo já havia saído de moda, mas não deixava de ser admirável observar aquelas estruturas brilhantes e esmeradas.

Convocando toda a paciência que tinha em si, encostou-se no banco e aguardou que aquele desfile passasse por ele.

— Olhe que homem lindo, Elle! Olhe!

Zero notou que falavam de si e olhou para a janela de uma das carruagens que passava ao seu lado. Uma moça de olhos azuis como o céu e cabelos loiros o encarava com encanto. De certo, àquela foi a moça mais linda que ele já vira, mas estava enganado. Assim que a outra colocou a cabeça na janela, ele sentiu seu coração dar um pequeno pulo.

Zero piscou impressionado. Àquela família tinha sorte por ter mulheres tão belas. A outra mulher era ainda mais exótica, tinha os cabelos escuros como à noite e os olhos azuis como uma fonte de águas puras e cristalinas; sua pele era clara, as bochechas apresentavam uma coloração rosada e seus lábios eram carnudos e avermelhados. Ela o fitou nos olhos e rapidamente voltou a colocar a cabeça para dentro. Zero piscou rapidamente sentindo-se estranho e impressionado. Certamente foram os olhos dela. Afirmou para si mesmo sentindo o coração dar um pulinho nervoso.

A outra moça continuava a encará-lo sem demonstrar nenhum pingo de vergonha. Zero sorriu sem mostrar os dentes e a moça se alvoroçou lhe balançando um lenço enquanto o veículo ultrapassado seguia. Zero se contentou em apenas admirar a beleza das mulheres que o encaravam nas carruagens seguintes. Elas eram bonitas da sua forma, mas ele não conseguia tirar da cabeça os olhos daquela dama de cabelos negros. Eram, simplesmente, fascinantes.

Aquilo o distraiu enquanto ele esperava. Quando finalmente o trânsito andou, ele buscou pesquisar a respeito daquele costume tão singular e descobriu que era um comum a cidade fazer o tal desfile a cada ano com as moças que estavam na idade de casamento. Era uma forma de apresentá-las a sociedade, além dos bailes.

— Que antiquado — resmungou enquanto folheava um livro que achou na biblioteca central de Emestina.

~∞~

Não foi nada fácil encontrar uma pensão que fosse barata e singela. Ele não queria parecer um homem rico, apesar de ter uma boa quantia de dinheiro. Seu objetivo ali era não chamar atenção, como sempre, mas como um homem de boa aparência e grande porte, aquilo era uma tarefa nada fácil.

Em algumas cidades daquele país, havia um lugar onde vários detetives — assim como ele — se reuniam. Era um lugar onde eles poderiam deixar seu contato para quem quer que os quisesse contratá-los. Como Zero era um detetive nômade, ele gostava de ir nos casos deixados de lado, àqueles que ninguém mais se interessava e que já estavam a muito tempo largados. Ele só precisava descobrir se as pessoas que o solicitaram ainda estavam vivas, uma pequena nova pista sobre o caso e então podia se apresentava a família. Isso os fazia encher-se de esperança e pagar ainda mais caro pelos seus serviços. Sempre dava certo.

Zero gostava de chamar esse lugar de mina, apesar de que o seu real nome era "Centro de casos de Emestina''. O prédio era uma construção recente, localizada no centro, perto dos muitos comércios e das feiras de segunda-feira.

O detetive entrou no edifício e olhou em volta. Estava um pouco vazio para uma cidade tão rica. Ele se dirigiu a única porta que ali tinha e se deparou com um enorme escritório cheio de pessoas em mesas lendo arquivos e analisando dados. Tudo bem organizado, muito diferente da cidade anterior.

Àqueles que ficavam no centro deveriam ser os mais jovens no local, e os que conseguiam uma sala seriam aqueles de longa data. Supôs olhando tudo em volta com ambas as mãos no bolso.

— Mais que grande surpresa. — A voz feminina o fez estancar. Zero se virou e sorriu educadamente assim que reconheceu a mulher de cabelos castanhos claros.

— Me sinto honrado ao vê-la novamente, Nona. — Zero se aproximou daquela mulher com olhar afiado que o destino tinha colocado em seu caminho mais uma vez. Nona lhe entregou sua mão e ele a beijou. Ela então puxou a mão e a levou a cintura, curiosa.

— O que fazes aqui em Emestina? — perguntou colocando o cabelo para trás da orelha.

— O mesmo que todos estes homens, vim resolver casos — respondeu analisando o olhar dela. Há muito tempo atrás, ele e Nona estiveram lado a lado resolvendo pequenos casos. Não era comum uma mulher trabalhar como detetive, então poucos a queriam como dupla. Zero nunca teve preferências e a aceitou sem pestanejar, e ela fez um belíssimo trabalho. Até foi reconhecida pelo seu talento depois disso.

Nona cruzou os braços sorrindo e deu meia-volta.

— Venha, vou lhe mostrar a sala dos superiores.

— Não preciso de formalidades.

— As regras são simples, Tuller. E você é mais conhecido do que imagina. — Ela o olhou por cima dos ombros e aquilo lhe deu arrepios. O que ela estaria tramando? Zero se perguntou e foi deixado em uma sala repleta de detalhes estranhos. Na poltrona havia um homem de uns 45 anos, gordo e com uma barba grisalha mal feita preta. Ele estava olhando um globo enquanto segurava uma lupa e uma pinça com uma pequena peça presa as garras, concentrado. Zero tirou seu chapéu e o manteve em mãos.

O homem nem o olhou, então Zero levou uma das mãos aos bolsos e olhou em volta novamente.

— Como se chama? — O homem perguntou. Sua voz era rouca como alguém que tem maus hábitos com o cigarro.

— Zero Tuller — respondeu encarando o senhor para ver sua reação. Ele levantou o olhar encarando-o e sorriu sem mostrar os dentes.

— O que queres em meu centro de casos, Senhor Tuller?

— O seu caso mais remunerado. — Zero sentou-se no sofá que havia no centro da sala e cruzou as pernas.

— O que lhe faz crer que lhe darei o meu caso mais caso, Senhor Tuller? — O homem se levantou. Ele era baixo e mais gordo do que Zero pensava, usava uma camisa social branca e um suspensório marrom que combinava com seus sapatos. Sua calça era cinza claro. Parecia um personagem de livros, daqueles engraçados.

— Por que eu sou bom no que faço — Zero respondeu com tom superior —, mas não pretendo me afiliar a sua empresa. Me trate como um funcionário independente. — Juntou as mãos. — Me dê seu caso mais caro, eu resolvo, ganho minha parte do contrato, você a sua, e ainda ganha mais credibilidade por aí. Parece-me muito lucrativo, não acha?

O homem parou e respirou fundo, então soltou o ar com um sorriso arteiro escondido debaixo daquele bigode comprido, como se tivesse acabado de planejar algo. Zero semicerrou os olhos o reconhecendo. Já havia escutado falar de Albert Zuno. Ele era um narcisista competitivo e muito esperto. O homem era mestre em negociar e analisar comportamentos humanos. Quando Zero era apenas um jovem estudante em seu primeiro período, Albert foi chamado para dar uma palestra para mais de 140 pessoas, ele era persuasivo e muito coerente. Só era impressionante como havia envelhecido tanto em tão poucos anos.

— Pelo seu olhar, deve ter se lembrando de mim — presumiu Albert — Preciso me apresentar? Senhor Zero Tuller, o detetive misterioso.

Zero sorriu. Seu título popular havia chegado longe. Será que ele deveria se preocupar com essa suposta fama?

— Vejo que é um homem muito perspicaz, Senhor Albert Zuno. — Zero se levantou e esticou a mão em sua direção, aquilo era um bom sinal. Ele podia sentir que aquele lugar lhe resultaria em lucro. 

UM DETETIVE PARA LADY EVENS (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora