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PRESENTE
KENNEDY SALINGER

Eu gostava de pensar que estava voando enquanto patinava.

Isso fazia minha mente se distanciar e ficar quase que totalmente em paz. E, após um salto lutz executado com maestria, permaneci deslizando sobre a pista de gelo, aproveitando daquela sensação. Meus braços estavam abertos graciosamente e minha perna esquerda estava levantada em um ângulo reto. Mantinha minha coluna nivelada enquanto meus olhos estavam fechados. Naqueles instantes, eu esquecia de todo o resto. Ali não havia mais ninguém além de mim e a superfície gelada sob as lâminas dos meus patins. Todo o mundo lá fora perdia o foco.

Aquele era o meu refúgio desde que alcancei a idade mínima para ser matriculada numa escola de patinação no gelo. Reagan também foi, uma vez que aquela era uma das grandes tentativas dos nossos pais em aproximar nós duas. Ela odiava a coisa toda, entretanto. Preferia manter seu nariz enterrado nos livros enquanto eu me apaixonei perdidamente pelo esporte.

Após dar uma volta completa ao redor da pista, parei no centro. Respirei fundo, olhando para o rinque completamente vazio ao meu redor. Estava silencioso e poderia parecer um pouco perturbador para a maioria das pessoas. Para mim, contudo, era o cenário perfeito. Então, voltei a deslizar novamente, ganhando impulso. Queria tentar um triple axel, um dos saltos mais difíceis e desafiadores da patinação artística. Quando me lancei no ar com o pé esquerdo, abracei meu próprio corpo e girei.

Duas voltas e meia quando perdi velocidade e caí.

Senti primeiro o choque na base da coluna e consegui segurar a cabeça com as mãos para que ela não se chocasse contra o chão. Mas não pude evitar o impacto brutal em meus ombros e quadris. Fechei os olhos por um instante, sentindo a dor percorrer o caminho inteiro ao longo do meu corpo. Gemi baixinho tentando não me desesperar. Coloquei uma mão sobre o lado esquerdo do meu peito, sentindo os meus batimentos cardíacos, talvez esperando o momento em que meu coração explodiria. Percebi, após alguns segundos, que isso não ocorreria, então tentei inclinar minha cabeça para checar minha segunda preocupação: minhas pernas.

Entre meu coração pifando ou alguma lesão nos meus tornozelos, eu não saberia dizer o que era pior.

Diana Hughes, a treinadora das Valkyries, iria me matar se soubesse que eu estava testando manobras avançadas demais.

Além dela discordar fortemente da minha participação na equipe, também pesava o fato de eu ser a capitã e a figura principal do nosso grupo. Assim, caso eu me lesionasse, iria prejudicar a equipe inteira. Ela me tratava como se eu fosse uma flor delicada, prestes a se despedaçar e virar poeira.

Eu estava tentando ser a Valkyrie perfeita desde que entrei para a equipe, no meu primeiro ano. Não apenas porque eu queria melhorar cada vez mais minhas habilidades na patinação, mas porque minha mãe me ensinou que eu sempre seria cobrada muito mais do que uma garota branca. Sempre exigiriam de mim a perfeição, enquanto se contentariam com qualquer desempenho, por mais medíocre que fosse, de uma pessoa branca. E, na verdade, mesmo que eu fosse perfeita, ainda correria o risco de me acharem mediana.

Tentei curvar minhas costas o suficiente para poder analisar minhas pernas, mas não consegui e, por um segundo, temi que tivesse um ferimento muito mais grave do que apenas uma contusão.

Estava acostumada com pequenos tombos, eles eram inevitáveis em um esporte, afinal. E já havia muito tempo desde a última vez em que tive uma grande consequência disso. Tinha quinze anos quando quebrei a perna após uma queda. Chorei todos os dias durante os seguintes oito meses de recuperação e fisioterapia. O medo de nunca mais poder patinar era o pesadelo que mais me assombrava. Sempre que eu despencava de um salto e colidia brutalmente contra o chão, eu ficava assustada.

O Inverno Entre Nós (BITTER COLD)Onde histórias criam vida. Descubra agora