Uma sala no castelo. Entram Otelo, Desdêmona, Cássio e pessoas do séqüito.
OTELO — Caro Miguel, cuidai da guarda à noite. Mostremos pelo exemplo a decorosa moderação, porque não haja excesso nas festas permitidas.
CÁSSIO — Já dei ordens, para Iago, a esse respeito. Não obstante, pessoalmente irei ver tudo de perto.
OTELO — Iago é pessoa honesta. Boa noite, Miguel; quanto mais cedo for possível, vinde amanhã falar-me. (A Desdêmona.) Vamos, querida; já fizemos a compra; ora é preciso saber aproveitá-la com juízo.
(Saem Otelo, Desdêmona e séqüito.)
(Entra Iago.)
CÁSSIO — Sede bem-vindo, Iago. Precisamos ir para a guarda.
IAGO — Ainda falta muito tempo, tenente; não são dez horas. Nosso general nos despediu assim tão cedo por amor de sua Desdêmona, pelo que, aliás, não podemos censurá-lo; ainda não passou uma noite regalada com ela, que é um pratinho para Jove.
CÁSSIO — É uma senhora admirável.
IAGO — É deliciosa, posso asseverar.
CÁSSIO — Realmente, uma criatura muito louçã e delicada.
IAGO — E que olhos tem! Soam-me como um convite para o assalto.
CÁSSIO — Olhar atraente, de fato, mas muito modesto.
IAGO — E quando fala, não parece uma alvorada para o amor?
CÁSSIO — É, de fato, a perfeição em pessoa.
IAGO — Muito bem; felicidade para seus lençóis. Vamos, tenente; tenho um quartal de vinho e aí fora um par de galantes chipriotas que de bom grado beberiam à saúde do negro Otelo.
CÁSSIO — Não hoje à noite, meu bom Iago; tenho a cabeça muito fraca para bebidas. Desejara que a cortesia inventasse outras maneiras de manifestarmos a alegria.
IAGO — Oh! são nossos amigos! Um copo, somente; beberei em vosso lugar.
CÁSSIO — Só bebi esta noite um copo, e assim mesmo muito diluído; mas, apesar disso, podeis ver que desarranjo produziu aqui. É um defeito lastimável; não quero pôr à prova mais uma vez a minha fraqueza.
IAGO — Ora, homem! A noite, hoje, é de folia! Os rapazes que insistem.
CÁSSIO — Onde se encontram?
IAGO — Aqui, à porta; chamai-os, por obséquio.
CÁSSIO — Vou fazê-lo, mas a contragosto. (Sai.)
IAGO — Se eu puder empurrar-lhe mais um copo além do que ele já bebeu à tarde, ficará tão rixendo e quereloso como uma cadelinha. Aquele tonto, Rodrigo, a quem o amor virou no avesso, esta noite, à saúde de Desdêmona bebeu potes seguidos. Vai dar guarda. Mais três rapazes de alto e nobre espírito, que em distância prudente a honra conservam, elementos desta ilha belicosa, esta noite deixei meio confusos com copos transbordantes. Todos eles irão também dar guarda. Ora, no meio de tantos bêbados, farei que Cássio pratique qualquer ato que alboroto venha na ilha a causar. Ei-los que chegam. Se condisser com os sonhos a seqüela, meu barco correrá com vento e vela.
(Volta Cássio, acompanhado de Montano e vários cavalheiros. Entram criados com vinho.)
CÁSSIO — Por Deus! Já me fizeram beber uma boa caneca.
MONTANO — Pequenita, por minha fé; não chegava a uma pinta; tão certo como eu ser soldado.
IAGO — Tragam-nos vinho, olá! (Canta.) Fazei tinir a caneca! Fazei tinir a caneca!... A vida é quente, soldado é gente... Soldado... que leve a breca! Mais vinho, rapazes!