Diante do castelo. Entram Desdêmona, Cássio e Emília.
DESDÊMONA — Podeis ficar tranqüilo, meu bom Cássio; farei por vós o que me for possível.
EMÍLIA — Sim, bondosa senhora; meu marido se aborreceu tanto com isso, como se fosse dele o caso.
DESDÊMONA — Oh! Que homem de valor! Não tenhais dúvida, Cássio, que hei de fazer que vós e Otelo vos torneis bons amigos como dantes.
CÁSSIO — Generosa senhora, seja a sorte qual for de Miguel Cássio, nunca ele há de ser outra coisa, senão tão-somente vosso leal servidor.
DESDÊMONA — Tenho certeza disso e vos agradeço. Amais a Otelo; há muito o conheceis. Ficai, pois, certo que a frieza dele durará somente, enquanto as conveniências o exigirem.
CÁSSIO — Pois não, senhora; mas as conveniências poderão ser morosas e viverem com dieta tão aguada e delicada ou com tais circunstâncias se nutrirem, que, ausente eu me encontrando e já ocupado meu posto, acabará por olvidar-se meu general do meu amor e préstimos.
DESDÊMONA — Que isso não te preocupe. Aqui, em frente de Emília te asseguro o antigo posto. Podes ficar tranqüilo; quando eu faço um voto de amizade, cumpro-o à risca. Meu marido não mais terá sossego; hei de amansá-lo à custa de vigílias; sua paciência será posta à prova; escola vai virar o leito dele; confessionário, a mesa. Em tudo quanto quiser fazer, misturarei a súplica de Cássio. Por tudo isso, Cássio, alegra-te; porque, antes de desistir de tua causa há de a vida perder teu advogado.
(Entram Iago e Otelo e se conservam a distância.)
EMÍLIA — Senhora, aí vem meu amo.
CÁSSIO — Senhora, aqui despeço-me.
DESDÊMONA — Esperai para ouvir-me defender-vos.
CÁSSIO — Noutra ocasião, senhora; estou indisposto e incapaz de servir meu próprio intuito.
DESDÊMONA — Como quiserdes.
(Sai Cássio.)
IAGO — Isso não me agrada!
OTELO — Como disseste?
IAGO — Nada, meu senhor; ou, talvez... Já não sei.
OTELO — Não era Cássio que estava a conversar com minha esposa?
IAGO — Cássio, senhor? Acreditar não posso que ele como culpado se esgueirasse, quando vos viu chegar.
OTELO — Creio que era ele.
DESDÊMONA — Oh! meu marido! Estive a conversr com um suplicante; que vosso desfavor faz definhar.
OTELO — A quem vos referis?
DESDÊMONA — Oh! a vosso tenente Cássio. Caro marido, se eu possuo graça ou força para vos comover, reconciliai-vos com ele desde já. Se não se trata de uma pessoa que vos é afeiçoada sinceramente, e errou mais por descuido do que por intenção, não sei, de fato, reconhecer uma feição honesta. Peço-te que o reintegres no seu posto.
OTELO — Daqui não saiu ele agora mesmo?
DESDÊMONA — Sim, e tão abatido que comigo deixou parte das mágoas que ainda me compungem. Chama-o, caro!
OTELO — Mais tarde, agora não, cara Desdêmona.
DESDÊMONA — Mas será logo?
OTELO — Logo que possível, minha querida, já que assim desejas.
DESDÊMONA — Hoje de noite, à ceia?
OTELO — A noite, não.
DESDÊMONA — Então amanhã cedo, à hora do almoço?