Capítulo II

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O espartilho estava mais apertado do que o normal, projetando seus seios para fora do vestido, a gargantilha arranhava o pescoço e os cabelos  foram presos em um coque elaborado no alto da cabeça.

A carruagem sacolejava pela estrada e Atena se remexia no banco do veículo, incapaz de se conter.

Lançou um olhar furtivo para Deméter, o que só a deixou ainda mais aborrecida com sua própria postura, uma vez que a irmã estava encantadora em seu vestido de seda verde e tinha um comportamento sofisticado que era nada menos que invejável.

Como conseguia ser tão perfeita?

Perguntava-se a mais jovem, achava que era humanamente impossível que ela não estivesse passando pelo mesmo desconforto.

— Querida, você poderia, por favor, ficar quieta? — perguntou o pai, quando Atena sem querer lhe deu uma cotovelada nas costelas enquanto tentava endireitar a coluna.

— Perdão — disse Atena — mas o senhor não precisa usar espartilhos, então não compreende o meu sofrimento.

 — Sou obrigada a concordar. — emitiu Deméter, mesmo que não parecesse padecer do mesmo incômodo.

Murilo achou graça das filhas.

— Graças aos céus que não. — resmungou, e voltou a olhar pela janela.

— Ainda acho que Irene deveria ter vindo conosco. — insistiu Deméter, inutilmente, uma vez que já estavam quase chegando ao teatro e não poderiam mais retornar para buscar a irmã. — Ela também é uma dama, tem obrigação de frequentar esses eventos.

— A filha e a esposa do barão discordam de você. — contrapôs Atena, agora com dificuldades para respirar por conta da nova postura.

— E o sobrinho dele também. — acrescentou Murilo, ainda sem olhar para as duas.

Em dezembro do ano passado, nos festejos natalinos na casa do senhor Eustácio Venosa, antes deste ser nomeado barão de Sacramento — o que ocorreu no final de janeiro, e por isso o baile de máscaras para comemorar o título —, Irene decidiu que estava bastante entediada.

Veja bem, bastante. Não somente entediada, mas bastante entediada.

Quem conhece Irene e sua mente mirabolante entende o peso dessa palavra quando associada a garota, e é um completo tolo se não tem presença de espírito o suficiente para temer tal constatação.

O fato, é que a jovem decidiu fazer alguma coisa para aplacar seu tédio, o que nunca é algo bom.

Polpando os detalhes sórdidos, o episódio culminou em uma Sra. Venosa encharcada de ponche — Irene alega que essa parte não foi proposital, mas seu pai sabe que ela detesta a mulher — , uma parte da ceia natalina voando pelos ares, a coxa do Peru, mais especificamente, e atingindo a cabeça de Vinícius, sobrinho do atual barão.

Além de claro, Joaquina, a filha mais velha e insuportável do casal, que misteriosamente acabou com o rosto enfiado em uma torta de pêssego.

Na maior parte do tempo, Irene é uma criatura extremamente dócil, no entanto, quando decide se envolver em alguma confusão, seu talento incomensurável para conflitos vem à tona. Por esse motivo, ela foi proibida de frequentar, nos próximos dois anos, qualquer evento oferecido pela família Venosa.

O que ninguém sabe, porém, é que Atena teve uma breve, mas na opinião dela, muito satisfatória, participação na travessura.

Sorriu ao lembrar da intragável Joaquina com as pestanas cobertas por glacê. Na ocasião, ela foi mais uma pessoa a falar para Atena que nunca um rapaz que se preze a aceitaria como esposa por conta de seu gênio impossível.

Um Bilhete Para AtenaOnde histórias criam vida. Descubra agora