1. A Partida

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Há tempos que a escuridão tomou conta da casa onde vivo. Durante o dia, a única iluminação presente é a luz solar, que discretamente adentra pelas janelas de vidro distribuídas por todos os cômodos. A noite somos aquecidos pelo calor da lareira, o fogo crepitando lentamente. Na maioria das vezes me esqueço de que moro com alguém. Meus avós vivem sorrateiramente pela casa, como se estivessem fugindo de algo. Quase não vejo meu pai. Desde a morte de minha mãe, ele se fechou em seu escritório, no qual não tenho permissão de entrar.

Finjo que minha casa é apenas este quarto onde estou - uma cama de casal com lençóis brancos, um guarda-roupas escuro de madeira maciça e uma poltrona próxima à uma grande janela com pesadas cortinas verde-escuro, onde passo a maior parte do meu tempo. Costumo olhar para o jardim da janela no meu quarto enquanto folheio alguns dos meus livros. Esse havia se tornado meu passatempo favorito. Pouco me interessa sair daqui se não há com quem conviver. A única pessoa que me oferece um pouco de atenção é Olga, uma bruxa de meia idade que cuidou de minha mãe em seus últimos dias e, consecutivamente, tornou-se ama para cuidar de mim.

Um toque suave na porta e eu sabia que era ela. Olga sempre me visitava no dia anterior ao meu retorno à escola para verificar se eu arrumei as malas corretamente. Fui até a porta e abri, deixando com que ela entrasse.

- Como está o meu jovenzinho?

- Nada de novo. Você sabe, é o mesmo de sempre. - quando se trata de Olga eu não me esforço para disfarçar o que sinto. Depois de minha mãe, Astoria, ela é a única capaz de me fazer sentir acolhido.

- Não quer dar uma última caminhada no jardim? Te faria bem se pegasse um pouco de sol, Scorpius.

- Você pode me acompanhar?

- Quinze minutos, está bem?

- É mais do que o suficiente. - Olga deu um sorriso fraco e alisou meus cabelos para trás. Ela deu um passo para o lado e eu saí do quarto, caminhando ao lado dela pelo corredor escuro no andar de cima. Descemos a escada de mármore escuro e fomos em direção à porta que daria para o jardim da frente.

Mesmo ao sol continuei sentindo frio. Verão ou não, era como se nada mais pudesse aquecer os terrenos Malfoy, onde a esperança e o amor haviam desaparecido há anos. Olga e eu demos a volta para a parte de trás da mansão e então chegamos ao jardim ao qual eu via da janela do meu quarto.

A grama parecia um pouco seca, as flores já não cresciam mais, e na árvore mais próxima estava pendurado o balanço no qual eu não mexia desde que minha mãe se foi. Não é que eu não gostasse de lembrar dela, eu só não aguentava mais a dor de me sentir ali tão sozinho.

Sinto a pequena mão de Olga apertar meu ombro esquerdo. Ela está me olhando com um sorriso fraco, mas não consigo retribuir. Respiro fundo e fecho os olhos tentando não deixar minhas lágrimas caírem.

Nuvens cinzentas se formam no céu avisando que a tempestade está por vir. Nada me incomoda mais do que passar noites de chuva neste lugar. É como se eu estivesse em uma casa mal-assombrada, só que mil vezes pior. A solidão parece aumentar em dias de chuva.

Minha avó, Narcisa, milagrosamente apareceu atrás de nós. Vê-la fora de casa é tão raro quanto me ver fora do quarto. Ela caminha até nós e sei que vem para interromper meu momento com Olga.

- Seu pai está de saída e não voltará a tempo de sua partida. Se quiser se despedir, este é o momento.

- Certo. Onde ele está?

- Está aguardando na porta de entrada.

Minha avó tenta ser sutil ao mesmo tempo que não demonstra emoções. Sei do passado da minha família, mesmo assim me pergunto o que ela teria feito que a deixou tão insensível ao mundo. Ela caminha de volta para a frente da casa, Olga atrás dela e eu seguindo as duas. Meu pai está com uma pequena maleta preta em mãos, os cabelos loiros iguais aos meus batendo em seus ombros. Somos muito parecidos, mas talvez pudéssemos ser mais se ele não aparentasse sempre estar doente. Nesta ocasião, seus olhos estão um pouco fundos e sua íris é tão cinzenta quanto as nuvens de chuva que se formam no céu. Os meus, ao contrário, são de um azul vívido como o céu em dia de sol.

The Night We Met | ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora