Tinha um monstro no meu quarto

36 1 0
                                    

Quando eu cheguei, tinha um monstro no meu quarto, uma sombra preta que tapou os meus olhos fazendo tudo se tornar cinza, subiu nas minhas costas causando uma dor insuportável e se apossou da minha autonomia controlando como eu devo agir, só deixou meus pensamentos misturando-os com os dele. Às vezes dá uma trégua, quando hiberna, deixando meus dias mais coloridos, mas, quando volta, com uma raiva inexplicável, tem a honra de fazer tudo ficar pior. Me impede de ter proatividade, me tira toda autenticidade, arranca a possibilidade de fazer qualquer coisa, mas, como um perito torturador, me deixa com a vontade enorme de levantar e tornar meu dia produtivo, sufoca meus pulmões, fecha minha faringe e embaça o espelho. Se alimenta de todos os meus sentimentos mais profundos, só que como não é muito guloso, não sobra espaço para os superficiais em seu estômago. Eu só queria me livrar dele, mas como se eu nem sei o que é? Como encontrar soluções para um problema que não sei a origem? Um hospedeiro cruel, um ser desalmado, de mísera empatia que se alegra com o caos no corpo das pessoas, um furacão que destrói tudo e só deixa o vazio para contar história. De tempos em tempos, bate na minha porta alegando saudade. Um ser surdo, cego, mudo e que ainda assim consegue te controlar. O grito silencioso das lâminas é como música clássica para o ballet que dança em meio ao escuro daquela rodovia tortuosa que finda em meu coração. Tento olhá-lo, dar-lhe forma, mas como uma névoa com olhos brilhantes, se esvai no vento com facilidade. Clamo por socorro, mas ninguém consegue ouvir, tento mostrar que ele está ali sem usar palavras, meu sorriso previamente forjado, mas que em meus olhos enxerga-se tudo. Todas as inúmeras vezes que tentei gritar o nome dele, pediu ajuda à sua melhor amiga, a qual veio navegando num rio de trevas, com sua capa e machado para me levar, só que o último fio de luz que encontrei no candelabro atrás daquela árvore fez eu resistir, gritar e correr. Por isso, preciso de cautela, pois se ele descobrir que estou escrevendo tudo isso, tenho até medo do que ele vai fazer.

Névoa Onde histórias criam vida. Descubra agora