CAPÍTULO DOIS

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A noite chegou enquanto o grupo ainda atravessava a floresta. As árvores altas de galhos curvos os cercavam, assim como os sons emitidos pelos animais que espreitavam os arbustos.

Cada uma das quatro crianças carregava apenas a mochila com mantimentos, que deveriam ser consumidos somente depois que partissem do Porto Lendre. Mestre Iosep tinha duas bolsas, incrivelmente pequenas, e passou todo o trajeto disponibilizando cantis de água para os irmãos Gittel. "Quanto menos peso, mais rápido viajamos" explicou Roggo, quando Brusk perguntou sobre barracas.

"Acho que essa aqui está ótima" o velho falou, olhando para uma árvore cuja largura do tronco correspondia a uma carruagem mediana. Dito isso, ergueu Brusk pelas costelas, para que o pequeno escalasse até o primeiro galho.

"Não vamos caçar algo para comer?" perguntou Makena, sentindo a língua amargar conforme o estômago roncava.

"Tenho frutas para essa noite" Iosep respondeu, indicando a mesma bolsa que carregava o agora vazio cantil de água. "Amanhã pela manhã caçaremos, não vale a pena corrermos o risco por essas terras, estamos muito próximos de Aliengo".

A menina murmurou algo em concordância, e subiu depois que seus três irmãos já se empoleiravam em três galhos diferentes. Iosep escalou logo atrás, acomodando-se no mesmo pedaço de madeira que Brusk se aninhava. Ela continuou escalando, sentindo as pontas dos dedos reclamarem conforme cravava as unhas na casca. Quase na copa da árvore, um galho repousava de forma convidativa, e foi ali que Makena se deitou para olhar as estrelas.

Mastigando a maçã que o mestre lhe havia dado, se permitiu pensar sobre o que aconteceu. Seus olhos se fecharam enquanto a respiração ficava difícil. Nunca mais veria seu pai, seu herói.

Olhou para baixo, ouvindo Fiego chorar baixinho, Roggo lhe abraçando enquanto disfarçava as próprias lágrimas. Como os pais esperavam que fossem sobreviver sozinhos? Como poderiam abandonar a família, superar sozinhos o trauma do que lhes ocorrera? E Duval? O que teria acontecido com o primogênito dos Gittel? Makena se perguntou se ele estava entre os baques surdos de corpos sem vida caindo sobre o tapete.

Fechou os olhos mais uma vez. Não se permitiria chorar, não naquele momento. Não quando ainda estavam juntos, quando ainda podia proteger seus irmãos.

Piscou e deu de cara com a lua minguante no céu salpicado de estrelas. Se perguntou se o que a mãe dizia sobre o Além Mundo observar os mundos através das estrelas era verdade. Se perguntou se seu pai e, talvez, seu irmão, estariam agora olhando pra ela. Permitiu que a exaustão lhe tomasse conta, ouvindo - ao longe - a respiração pesada e tranquila de Brusk.

*

Mais dois dias se passaram antes de chegarem ao pé das montanhas congeladas. Não caía neve alguma, e ninguém sabia explicar exatamente como os picos mantinham-se manchados de branco o ano todo. Durante a viagem, não encontraram sequer um mercador viajante. Ninguém parecia disposto a se arriscar pelos territórios inabitados do continente. Conseguiram caçar alguns coelhos, e encontrar uma árvore para dormir acabava sendo a tarefa mais difícil.

A terra sob seus pés se tornava gelo conforme seguiam adiante na subida íngreme. O frio ali já fazia os ossos tremerem, e Roggo se perguntou se sobreviveriam até o amanhecer. Fiego estava à frente do grupo, seguido de perto por Makena. Atrás de si, Iosep escalava com Brusk amarrado às costas. Faltavam poucos metros para a planície onde passariam a noite, e a barriga roncava pelas horas de esforço.

Fiego ajudou o mestre a se equilibrar ao chegarem, e Makena procurava por qualquer abertura entre as rochas que pudesse servir de caverna para aquela noite. A lua brilhava com intensidade, e o vento frio fazia sua bochecha formigar.

A ORIGEM ESQUECIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora