CAPÍTULO UM

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Muita coisa pode acontecer em dez segundos. Uma vida pode começar, outra pode terminar. Pode-se dizer o quanto se ama ou odeia alguém.

Dez segundos foi tempo suficiente.

Tempo demais.

Foi o que bastou para que a vida de Makena se transformasse em caos. Foi o suficiente para que parte dela fosse arrancada com voracidade.

Ela deveria saber. Há semanas seu pai vinha parecendo lunático. Não dormia ou comia. Chegava das reuniões com o rei Dridio e se trancava em seu escritório, na ala reservada para a família da mão do rei. Algo tinha de estar acontecendo. Se ela só tivesse prestado mais atenção. Deveria ter visto. Deveria ter percebido os olhares distantes, o silêncio entre seus pais - Sebastian e Greta Gittel - o casal mais apaixonado de todo o reino. Mas ela só percebeu quando era tarde demais.

Tarde demais para ver a adaga escondida no manto preto de Cerlim, a sacerdotisa tão gentil que sempre acompanhava seu pai. Tarde demais para conseguir um antídoto para seja qual fosse o veneno em que a adaga fora mergulhada. Tarde demais para evitar que Cerlim, depois de assassinar a mão do rei, cravasse a lâmina no próprio coração.

Não pôde fazer nada para conter o grito que reverberou da garganta trêmula da mãe, ou pensar em qualquer coisa enquanto os dois guardas a carregavam para longe. O tapete em frente à lareira, onde a família sempre se reunia nos fins de tarde, estava encharcado com o sangue de Sebastian.

E então fez o que foi treinada para fazer.

Ela correu.

*

Assim que abriu os olhos, um sorriso estonteante perambulou pelos lábios de Makena. Levantou antes que as criadas chegassem para preparar seu banho, e correu para a ante-sala que separava seu quarto dos de seus irmãos. A porta em frente à sua pertencia a Fiego, seu gêmeo, que apareceu no corredor no mesmo instante que ela. Trocaram olhares confidentes antes de seguir escada abaixo, atravessar a sala de estar ampla onde a lareira crepitava, e correr até os aposentos dos pais.

A porta estava entreaberta, e os gêmeos não hesitaram ao escancará-la. A mãe, com um solavanco, virou-se para eles, e abriu os braços gentis à espera do abraço que viria. Fiego correu até ela, com Makena em seu encalço. A menina percorria o quarto com os olhos, procurando qualquer sinal de seu pai. Ele já havia saído.

"Nem acredito que meus pequenos cresceram tão rápido" Greta murmurou contra o couro cabeludo de Fiego, chorosa.

"Ainda vamos velejar à noite?" perguntou Makena, desvencilhando-se do abraço. Fiego continuou agarrado ao pescoço da mãe, sempre mais sentimental que a irmã. A mulher lançou um olhar compreensivo à filha.

"Vamos, meu amor, assistiremos o pôr do sol como combinado" respondeu a mulher de beleza arrebatadora. Makena ousou pensar se algum dia seria tão bela quanto a mãe. Ela e os irmãos haviam herdado os cabelos loiros-escuros, mas duvidava que um dia chegaria sequer aos pés da elegância de Greta Gittel.

Enquanto se banhava, Makena pensava sobre o dia seguinte. Ela e seu gêmeo passariam a treinar com os aprendizes do exército do rei, e não mais com Iosep, o velho rabugento que lhes ensinava a luta corpo-a-corpo.

Mas o amanhã deve ser deixado para amanhã, e foi pensando nisso que a menina desceu saltitante para a mesa de café da manhã já posta.

A ORIGEM ESQUECIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora