04 -Mesa para duas

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POV CLARA

- Boa noite, mesa para quantos? – O garçom nos abordou na entrada.

- Mesa para duas, por favor - respondi.

- Me acompanhem, por favor.

Seguimos em silêncio, fiquei muito surpresa e feliz de encontrar Luiza, tão simpática e como eu quase não saiu, tomar um capuccino com ela seria super legal, até porque não ia perguntar dela para a irmã dela... Seria estranho.

- Aqui está bom para você? – ela me perguntou me tirando dos meus pensamentos.

- Sim, claro, está ótimo.

- Perfeito.

- Fiquem à vontade, precisando de algo só chamar – o garçom sorriu e saiu.

- Obrigada – Luiza respondeu da mesma forma.

- Obrigada.

- Costuma sair muito? – ela me encarou.

- Na verdade não, eu gosto bastante de ficar em casa, no meio dos meus livros e das minhas series.

- Sério? – ela me perguntou divertida. – Sabe, antes da quarentena, eu não parava em casa, mesmo depois que me mudei para a minha própria casa, eu não ficava lá, mas, como fui forçada a ficar, eu aprendi a gostar de ficar em casa, de apreciar esses momentos, agora que um novo ano está começando, eu acho que vou fazer programas mais caseiros... Ou menos loucos do que eu era acostumada a fazer.

- Como assim loucos?

- Eu sou uma pessoa noturna, isso não muda, se eu tenho a escolha de ficar acordada à noite eu fico. Eu ia muito para as baladas, emendava uma boate a outra e só me cansava quando tomava um café na padaria.

- Animada você!

- Fui, acho que a idade chegou.

- Quantos anos você tem?

- 31 e você?

- 28... Você e a Doutora Helô, são as únicas filhas, ou vocês tem mais irmãos.

- Somos só nós duas, meus pais queriam dois filhos, e depois minha mãe faleceu, e acabou que meu pai não se casou de novo, nem teve outro relacionamento... Não que a gente saiba.

- Minha mãe faleceu quando eu tinha 20 anos, é uma barra.

- É, por mais que eu fosse uma criança, quase um bebê, eu me lembro dela sorrindo olhando para mim, ela brincando, ela me fez, na verdade, faz e sempre vai fazer uma falta tremenda, queria que ela estivesse comigo nas minhas conquistas, quando eu precisei chorar.

- Sim, não legitimo a sua saudade, minha mãe por sorte pode me ver crescer, minha primeira menstruação, o primeiro amor, quando eu decidi o que eu queria ser, lembro que ela foi a primeira pessoa que eu contei, ela ficou preocupadíssima – comecei a rir, lembrando a cara de espanto da minha mãe, quando eu disse que queria ser policial.

- É de fato, ser psicólogo é para loucos – Luiza começou a rir. – Desculpa, eu estou brincando.

- Não! – acompanhei ela na risada. – Eu não disse para ela, que eu queria ser psicóloga.

- Disse o que então?

- Que eu queria ser policial.

- Nossa, agora eu realmente entendi a sua mãe, é uma profissão perigosa, ainda bem que você mudou.

- É – disse meio sem jeito.

- Fui indelicada?

- Não... É que no caso eu me formei, eu atuei como policial... Foi minha profissão que me deixou paraplégica.

- Desculpa, eu não sabia.

- Tudo bem, pelo menos eu realizei meu sonho, minha mãe foi na minha formatura.

- Ela deve ter explodido de orgulho.

- Ela me disse que sim – sorri.

- Seu sorriso é lindo – ela disse baixinho.

- Oi?

- Desculpa, não resisti, tive que falar, você tem um sorriso muito bonito.

- Obrigada – fiquei sem jeito, tanto tempo sem ouvir um elogio de alguém, de uma mulher então... De uma mulher como dela - Vamos pedir?

- Claro... O que você vai querer?

- Acho que essa torta de churros com capuccino, e você?

- Café com pães de queijo.

- Ótima pedida.

Luiza chamou o garçom, fizemos o pedido.

- Clara, eu realmente não sabia que você tinha se ferido em serviço, eu nem sabia que, para mim, você tinha nascido paraplégica.

- Tudo bem! – sorri, percebi que ela estava constrangida sobre ter tocado no assunto. – Fique tranquila, eu era andante até os 26 anos.

- Andante?

- É, assim que chamamos vocês, que podem andar, vocês nos chamam de cadeirantes... Não pensem que é só a gente que tem um nome.

- Olha, essa eu não sabia.

- Pois é, te ensinei já alguma coisa.

- Sim! Então como foi para você essa transição.

- Foi complicado, eu sempre fui uma mulher muito ativa... Era a louca dos esportes, gostava de fazer trilha, acampar, nadar no mar. Estava prestes a me casar, tinha comprado uma casa, vida perfeita. Mas, eu prometi na minha profissão, fazer de tudo para salvar o próximo, eu não podia fugir da minha responsabilidade como policial naquele momento.

- Você sabia, que estava correndo risco de vida?

- Ser policial, em qualquer lugar do mundo é não saber se irá voltar para a casa no dia seguinte, no Brasil então, a coisa é pior... Quando eu me levantei para ir... Só para você entender o contexto, eu estava em uma comunidade, fomos alvo de uma emboscada, tinha uma criança, com uma criança menor no meio do tiroteio, eu pedi para ela se abaixar e não sair do lugar, mas, criança ficou desesperada e levantou, para atravessar a rua, eu acho que ela queria vir até a mim, para protegê-las. Eu fiquei com medo de acertarem ela, eu resolvi atravessar a rua, só senti um impacto nas costas, uma queimação, e já cai, cai com muita dor, a dor foi tanta que desmaiei, quando acordei, estava no hospital.

- Meu Deus, eu não consigo imaginar o pânico.

- Eu sei que as crianças estão bem, honestamente, mesmo se alguém me falasse, se você levantar e atravessar a rua, você nunca mais vai andar, mesmo assim, mesmo com tudo o que eu perdi, eu atravessaria, hoje, com terapia, muita terapia eu consigo sobreviver sem andar, eu não conseguiria sobreviver se eu visse uma daquelas crianças caída no chão com um tiro de bala perdida.

- E foi assim que a Psicologia entrou na sua vida?

- Basicamente, sim – sorri, enquanto ela me olhava atentamente. – O que foi?

CarvãoOnde histórias criam vida. Descubra agora