CHOCOLATE

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A HISTÓRIA é a seguinte:

Já nos primeiros dias do ano letivo da faculdade, a garota-de-óculos apareceu no Coffee&Cia. Desde então, ela surgia frequentemente em dias aleatórios da semana.

Com a habitual concentração, ela passava todo o tempo no café em cima dos livros e cadernos de anotação. Ela parecia ser a pessoa mais organizada do mundo e eu jamais vira aquele jaleco branco amassado.

Foi em um desses dias que Spike me pegou encarando-a no meu tempo de descanso.

- Você aposta alto, hein?

Girando sobre um dos bancos do balcão, franzi as sobrancelhas.

- O que?

- Aquilo ali são três caminhões inteiros.

- Às vezes, acho que preciso de um dicionário para entender você.

- Não se faz de bobo - Spike revirou os olhos.

Bufando, olho de relance para a garota.

- Não viaja, ok? - Digo baixinho. - Eu só a acho bem... culta. Quer dizer, nunca a vi fora daqueles livros.

- Não viu o jaleco? Está apostando em uma futura doutora.

- Não estou apostando em ninguém - Solto entredentes. - Pode parar com isso?

Spike ri.

- Você nunca a viu fora do Café?

- Não.

- Bom, pelo o que sei, o pai dela é um mega empresário e um associado da Faculdade. E a mulher dele é modelo, acho. Enfim, família importante.

- Hum - É a minha resposta antes de olhar para a garota de novo.

- Como eu disse, três caminhões inteiros. Ela é bonita, inteligente e cheia de dinheiro.

Olhando para Spike como se ele fosse uma expressão algébrica ou coisa do tipo, balanço a cabeça ao pegar o último pedido que saiu e levá-lo até a mesa oito.

Não tive qualquer contato com a garota-de-óculos depois disso, fora os "seu pedido, moça". Apesar disso, me falar sobre ela se tornou o hobby preferido de Spike. Até aquela altura, eu tinha descoberto sua idade, em qual prédio ela estudava, e, ah, seu sobrenome, já que a família Watson parecia ser, realmente, muito importante.

Vê-la depois de saber isso, fazia a garota parecer ainda mais... letrada, responsável, enciclopedista, sábia ou qualquer coisa assim. Era meio difícil definí-la.

Com nenhum orgulho, às vezes eu a invejava. Me peguei pensando em minha própria vida, no quanto foi difícil conseguir aquele emprego no Coffee&Cia e o quanto eu ainda desejava cursar Gastronomia em uma Faculdade pública ao olhar para ela. E isso, de certa forma, me deixou mal durante alguns dias.

Mas, ao mesmo tempo, observá-la tinha se tornado um passatempo dos intervalos de descanso. Era até satisfatório vê-la fazendo anotações ou destacando algo com o marca-texto. E como a mente humana parece bugar e se confundir às vezes, meus sentimentos em relação a garota-de-óculos ficavam cada vez mais bagunçados.

Foi numa quarta que falei com ela pela primeira vez.

Eu fiquei responsável por fechar a Cafeteria naquele dia e ao trancar a porta dos fundos da cozinha, a vi na mesmíssima posição na mesa de sempre. Todos já tinham ido embora, tanto clientes quanto funcionários e a maioria das luzes da cozinha já estavam apagadas, mas a garota pareceu não se importar. Talvez nem notou.

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