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𝐿𝐼𝒢𝒯𝐻𝒮.𝐿𝐼𝒢𝒯𝐻𝒮

Ele só ficou ali por um momento e então, enquanto as crianças ainda saíam em grupos gritando e
correndo, lembrou-se de Henry Bowers e contornou correndo o prédio.

Atravessou o parquinho das crianças pequenas, passando os dedos pelas correntes dos balanços para fazê-los
tilintar e pisando nas tábuas das gangorras.

Saiu por um portão bem menor que levava à rua Charter e seguiu para a esquerda sem nunca olhar para
trás, para a pilha de pedras em que tinha passado a maior parte dos dias de semana nos últimos nove
meses.

Enfiou o boletim no bolso de trás e
começou a assobiar. Estava usando um par de tênis Keds, mas até onde ele percebeu, as solas não tocaram a calçada por umas oito quadras.

A aula terminou pouco depois de meio-dia; sua mãe só chegaria em casa às seis, pelo menos, porque às sextas ela ia direto para o Shop ’n Save depois do trabalho. O resto do dia era dele.

Ele foi até o Parque McCarron por um tempo e se sentou debaixo de uma árvore, sem fazer nada além de ocasionalmente sussurrar “Eu amo Beverly Marsh” bem baixinho, sentindo-se mais tonto e romântico a cada vez que falava.

Em determinado ponto, quando um grupo de garotos chegou ao parque e começou a escolher times para um jogo de beisebol, ele sussurrou
as palavras “Beverly Hanscom” duas vezes, e então teve que encostar o rosto na grama até esfriar as bochechas quentes.

Pouco depois disso, ele se levantou e seguiu pelo parque até a avenida Costello. Uma caminhada de mais cinco quadras o levaria à Biblioteca Pública, que ele achava que era seu
destino o tempo todo.

Estava quase fora do parque quando um aluno do sexto ano chamado
Peter Gordon o viu e gritou:

— Ei, peitinhos! Quer jogar? Precisamos de alguém pra defesa.

Houve uma explosão de gargalhadas. Ben fugiu o mais rápido que conseguiu, encolhendo a cabeça para dentro da gola como uma tartaruga se escondendo no casco.

Ainda assim, ele se considerou com sorte, no final; em outro dia, os garotos poderiam ter ido atrás dele, talvez só para assustá-lo, talvez para fazê-lo rolar na terra e ver se ele
choraria.

Hoje eles estavam absortos demais em jogar e decidir as regras. Ben os deixou decidindo o que valia no primeiro jogo do verão com alegria e seguiu seu caminho.

Depois de percorrer três quadras da avenida Costello, ele viu uma coisa interessante, talvez até lucrativa, debaixo da cerca da frente de uma casa.

O vidro cintilava pelo lado
rasgado de um velho saco de papel. Ben empurrou o saco na calçada com o pé.

Parecia que ele realmente estava com sorte. Havia quatro garrafas de cerveja e quatro garrafas grandes de
refrigerante lá dentro. As grandes valiam dez centavos cada, as de cerveja valiam dois centavos.

Eram 28 centavos debaixo da cerca de uma casa, só esperando que algum garoto aparecesse para pegar. Um garoto de sorte.

— Sou eu — disse Ben com alegria, sem fazer ideia do que o resto do dia guardava para ele.

Ele saiu andando de novo, segurando o saco por baixo para que não rasgasse. O mercado da avenida Costello ficava a um quarteirão dali, e Ben seguiu nessa direção.
Trocou as garrafas por dinheiro, e a maior parte do dinheiro por doces.

Ficou em frente à vitrine de doces apontando, feliz como sempre pelo som lento que a porta deslizante fazia quando o vendedor a empurrava no trilho, que era alinhado com rolamentos.

Comprou cinco tiras de alcaçuz vermelho e cinco do preto, dez balinhas de sassafrás (duas
por um centavo), uma cartela de bolinhas (com cinco em cada fileira e cinco fileiras em uma cartela, e era para comer direto do papel), um pacote de LikemAde e um pacote de Pez para o suporte que ele tinha em casa.

Ben saiu com um pequeno saco de papel marrom cheio de doces na mão e quatro centavos no bolso da frente da calça jeans nova.

Olhou para o saco de papel com toda a doçura dentro e um pensamento de repente tentou despertar,
(se continuar comendo assim, Beverly Marsh nunca vai olhar pra você)
mas era um pensamento desagradável, então ele afastou-o.

Foi com facilidade; esse era um
pensamento acostumado a ser expulso.

Se alguém tivesse perguntando a ele “Ben, você é solitário?”, ele teria olhado para essa pessoa com surpresa genuína.

A pergunta nunca lhe ocorreu. Ele não tinha amigos, mas tinha seus livros e seus sonhos; tinha seus modelos Revell; tinha um kit enorme de Lincoln Logs e construía todo tipo de coisas com ele.

Sua mãe exclamara mais de uma vez que as casas de Ben feitas de Lincoln Logs eram melhores do que algumas verdadeiras, construídas a partir de
plantas.

Tinha também um bom kit Erector. Estava torcendo para ganhar o Super Kit quando chegasse seu aniversário em outubro.

Com ele, dava para construir um relógio que marcava as horas de verdade e um carro com movimentos. Solitário?, ele poderia ter perguntado em resposta, sinceramente sem entender. Hã? O quê?

Uma criança cega de nascença nem sabe que é cega até alguém dizer para ela. Mesmo então, ela só tem uma noção das mais acadêmicas sobre o que é a cegueira; só quem já enxergou tem uma noção verdadeira do que é ser cego.

Ben Hanscom não tinha noção de ser
solitário porque nunca teve nada diferente. Se a condição fosse nova ou mais restrita, ele poderia entender, mas a solidão dominava e se sobressaía na vida dele.

Apenas existia, como o polegar com duas juntas ou a parte irregular nos dentes da frente, a parte irregular onde a língua tocava quando ele ficava nervoso.

Beverly era um sonho doce; as balas eram uma doce realidade. As balas eram suas amigas. Assim, ele mandou o pensamento invasor se mandar, e ele foi em silêncio, sem provocar
nenhuma confusão.

E entre o mercado da avenida Costello e a biblioteca, ele comeu todas as balas do saco. Pretendia mesmo guardar o Pez para quando fosse assistir TV à noite;

ele gostava de colocar dentro do suporte de Pez um a um, gostava de ouvir o clique da pequena mola lá dentro, e gostava mais do que tudo de jogar as balinhas na boca uma a uma, como um garoto cometendo suicídio com açúcar.

Naquela noite, ia passar Whirlybirds, com Kenneth Tobey como o destemido piloto do helicóptero, e Dragnet, onde os casos eram verdade, mas os nomes eram mudados para proteger os inocentes, e seu programa de polícia favorito de todos os tempos, Highway Patrol, com Broderick Crawford como o policial rodoviário Dan Mathews.

Broderick Crawford era o herói de Ben. Broderick Crawford era rápido, Broderick Crawford era cruel, Broderick Crawford não aceitava merda de ninguém … e o melhor de tudo era que Broderick Crawford
era gordo.

𝐵𝐿𝐼𝒩𝒟𝐼𝒩𝒢 𝐿𝐼𝒢𝒯𝐻𝒮 . "𝐸 𝒰Onde histórias criam vida. Descubra agora