Diagramas de Belle

'Liberdade'

Naquela tarde eu comecei meu caderno, criei pelo menos uma página de diagramas sobre o mês. Eu havia tentado suicídio no último dia de aula, e passaria ao menos uma semana no hospital... E por ai comecei meus diagramas, eles me acalmavam e me davam a certeza que eu precisava que eu tinha controle de mim de novo.

Eu estava sentada naquele quarto claro demais, meus olhos odiavam aquele lugar.

"Belle?" Ouvi uma voz agora conhecida, era aquela enfermeira que eu passava a gostar mais. Me virei olhando para ela com admiração. "O que está fazendo?" Com as mãos meio tremulas alcancei nas mãos práticas dela meu caderno.

"Hum... qual seu nome?" Eu disse gastando toda a coragem que guardei para perguntar.

Ela sorriu com calor e alguma diversão. "Achei que não perguntaria. Sou Maria Clara." Seus belos olhos escuros se fecharam quase por completo quando ela sorriu tão abertamente aquilo aqueceu meu coração, assim como Anne fazia.

"Isso é incrível, Belle, mas não é se preparar demais para um futuro incerto?"  Ela disse ainda com um sorriso no rosto.

"Talvez." Eu disse tímida. "Mas eles me acalmam, eu não sei por que eu havia parado." Olho-a com alguma duvida ainda.

"Bem eu havia vindo pra avisar que você tem permissão para andar pelo hospital, com um acompanhante, avisando antes e em horários fixos." Ela ri imitando o médico que eu não havia visto muito, mas ele era bem idoso e passou aqui apenas uma vez. 

"Hum... meus pais trabalham bastante, eu não acho que tenha quem me acompanhar." Eu disse com puro desânimo na voz.

"Bem eu estou  aqui para isso, tudo que você tem de fazer é me dizer que horário você prefere e podemos andar por uma ou duas horas." Ela sorri enquanto segura minha mão. Aquela sensação de novo, ela me lembrava tanto Anne que chegava a doer, seus rostos não tinham sequer os mesmos traços, mas elas eram iguais.

Antes que me perdesse mais em pensamentos eu sorri e acenei com a cabeça. "Hum, talvez as 16.30? Vou ter acabado de terminar o check-up." Ela pareceu se alegrar-se me devolvendo o caderno.

"Bem, melhor eu ir trabalhar  e poder voltar no horário." Ela disse já de costas saindo. 

"Até... até depois." Ela voltou a olhar para mim levou a mão a cabeça e com o indicador e o médio juntos fez um sinal rápido como aqueles de filme.

As horas passavam devagar, eu não fiz mais que uma página no novo caderno, e passei a assistir aquela velha televisão do quarto. Passei de programa em programa até encontrar o que eu queria, música, uma das poucas coisas que me acalmavam. Passei, provavelmente, de uma a duas horas lá cantarolando, as vezes cantando baixo, com a TV com cheiro de mofo do quarto branco e triste. 

O médico, um senhorzinho alto e de cabelos bem brancos e expressão dura com olhos caramelo mais sombrios que o oceano durante uma tempestade, chegou na hora que eu esperava, deveria ser ao menos quatro horas. Era incrível eles me deixarem andar mesmo eu tendo acabado de chegar, talvez fosse por eu ter esses problemas todos?