uma semana antes do verão acabar

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we should love

but not fall in love

because everything that falls

gets broken

heather

as minhas mãos estavam suadas, mais do que quando subi, o vento ficava mais frio contra a minha pele, parecia cortar entre as roupas e arrefecer-me o corpo, o meu telemóvel vibrava pela quarta vez dentro do bolso das minhas calças e eu ignorava-o pela quarta vez -  queria sentir alguma coisa e pelo menos assim saberia que iria sentir 

não queria atender o telemóvel não queria ter essa responsabilidade, mesmo que fosse a pessoa mais importante do mundo.

as lágrimas nas minhas bochechas fugiam da minha face com a força do vento, e as minhas botas pretas agarravam o pouco espaço que tinham para se endireitar.

era um momento decisivo e estava a pensar em tudo o que não era preciso - porque é que está tanto vento hoje, pelas nuvens pesadas no céu parece que vai chover, mas o verão só acaba na próxima semana.

queria conseguir concentrar-me apenas numa coisa mas o meu cérebro não me deixava focar, nunca consegui, parecia impossível para mim ter apenas uma coisa em mente e eu sei que isso só fazia a minha ansiedade disparar e eu também sabia que não a ia conseguir parar depois disso.

será que a emma fez o jantar ou que o klaus tem o quarto arrumado? por segundos quis descer não desci.

era alto, alto o suficiente, não sei como estaria o meu corpo depois da queda, mas julgo que ainda junto, era estranho se me encontrassem sem a perna ou o braço.

olhei para baixo e rapidamente para cima e fechei os olhos com muita força levantei uma perna equilibrando-me bem apenas numa e voltei a abrir os olhos os meus braços correram para cima para me ajudar no equilíbrio, as luzes tinham-se ligado e a noite aproximava-se.

foi quando senti o cheiro de nicotina que me fez estalar para a realidade e olhei para baixo - ele estava lá.

"isso é alto como o caralho love" ele diz tirando o cigarro dos lábios e exalando o fumo.

não consigo formar uma linha de pensamento e olho para ele enquanto ele fuma o cigarro e olha para mim, mas olha por dentro de mim, com certezas e força que me atinge e faz os meus joelhos falharem o que me faz olhar para baixo.

"é melhor desceres" a voz dele enche os meus ouvidos e sinto a chuva a cair-me na testa e nas mãos, ele aproxima-se e a minha mão treme enquanto olho para a dele que se estende na minha direção - com a pouca luz na rua consigo ver a silhueta dele, era alto, com uma mão no bolso do casaco de cabedal preto e outra a agarrar o cigarro, tinha ombros largos, as pernas cobertas com calças de fato de treino cinzentas e uns vans velhos nos pés, o cabelo estava coberto com um gorro verde escuro e a pele dele era clara mas os olhos verdes mortos.

as minhas palavras ficam presas nos meus lábios e não digo nada - se der um passo em frente desço em direção ao chão, se der um passo atrás fico na frente dele.

"podes agarrar a minha mão" ele diz como se tivesse aparecido outra opção no meio daquilo tudo - a voz dele é suave mas grave com sotaque e não sinto julgamento vindo dela o que me faz pensar - quem é este homem?

"porquê?" as palavras desafiam e correm dos meus lábios, sinto uma pontada de realidade contra mim quando ele levanta a cabeça e olha para mim com um olhar confuso.

"porque se saltares morres" ele diz o obvio os olhos contra os meus, aproxima-se, quero descer outra vez, mas não desço "mas se for essa a intenção" ele sorri "queres que te empurre?" ele pergunta e a sua mão agarra a minha com força tão fria como a minha - ele puxa-me para baixo e salto com os dois pés para cima do alcatrão da estrada.

ele suspira e puxa o ar do cigarro antes de o atirar pela ponte.

solto a minha mão do aperto da dele, e meto-a dentro do bolso das minhas calças para tirar o meu telemóvel. três chamadas do klaus e uma da emma.

o meu corpo mexe-se para me afastar dele mas quero aproximar-me, ele cheira a perfume e nicotina, parece uma mistura boa - os meus olhos descem para os lábios rosas dele - a luz bate na parte de trás do corpo dele não deixando muita luz para realmente o ver - a voz dele faz falta nos meus ouvidos mas antes que possa dizer alguma coisa para iniciar conversa a mão dele junta-se suavemente à pele da minha bochecha por reflexo afasto-me rapidamente e sinto o muro que antes estive por cima contra o fundo das minhas costas.

ele leva o lábio inferior entre os dentes para depois formar um pequeno sorriso e aproxima-se deixando as suas mãos de cada lado do muro comigo entre os braços dele -  consigo sentir o cheiro a cereja e prendo a respiração nos meus pulmoes incapaz de respirar com ele tão perto de mim. 

"não te ia empurrar" ele confirma baixo "porque é que ias saltar?" ele pergunta-me e ponho as minhas mãos por cima do casaco consigo sentir o calor do peito dele mas quero distância - mesmo que ele cheire bem e me tenha puxado para baixo, e que eu não me importe com o quão rápido ele ficou perto de mim, mas não quero estar presa entre os braços dele e uma queda.

"isso interessa-te?" pergunto rápido e ele cede à força das minhas mãos e vira-se para ficar na mesma posição que eu à minha direita também encostado contra do murro ele tira outro cigarro e acendo-o antes de me responder.

"não esperava encontrar alguém a querer saltar" ele diz expirando o fumo pelo nariz e olha para mim com a cabeça baixa "por isso queria saber o teu motivo" ele sorri ligeiramente - ainda estou com poucas palavras para lhe responder quando ele fala novamente "alguém morreu? acabaram contigo? mataste alguém?" ele respira fundo  "ou o teu coração está assim tão partido para te queres acabar tão rápido?" 

os meus lábios separam-se as minhas sobrancelhas juntam-se enquanto olho para ele, as minhas mãos fecham-se em punhos e desencosto-me do murro para ficar agora virada para ele criando mais espaço entre nós - se antes não senti julgamento na voz dele agora sentia humor.

"o que?" as palavras saem dos meus lábios "não me conheces da lado nenhum" gargalho sem sentir o humor - empurro as mãos para dentro dos bolsos do meu casaco e viro nos calcanhares.

quero voltar para casa, não sei mais o que estou a fazer, não devia ter vindo praqui - no entanto sinto que quando chegar a casa me vou arrepender de não lhe ter respondido.

"consigo perceber que te queres matar" ele diz alto e paro - porque é que ele me está a desafiar?

"não sabes isso" respondo virando-me para ele com a voz mais alta do que queria - consigo sentir o calor nas minhas bochechas e as minhas mãos aquecem dentro dos bolsos.

ele ri-se antes de falar "então querias saltar para quê?" ele abre mais os olhos e consigo ver os anis nos dedos compridos dele quando ele lança as mãos ao ar rapidamente deixando-as bater nas coxas "experimentar a sensação de saltar mas não a sua finalidade?" ele desencosta-se do muro e avança na minha direção.

"cala-te" digo - não quero pensar, não quero avaliar tudo o que fiz desce que me meti em cima do muro a ideia era não estar aqui era estar tão longe, onde não tinha de pensar no a seguir ou em como me estava a sentir. 

a chuva fraca faz-se sentir novamente e olho para ele e ele para mim - o que estava a sentir com ele naquele momento, era estranho e deixava-me desconfortável, eu sabia que ele não o estava a sentir e que quando me tocou tinha outras intenções - talvez se eu não estivesse com pensamentos tão finais e confusos, com uma indecisão que me consumia talvez tivesse gostado que ele me tivesse tocado mais.

queria ouvir mais a voz dele e o que ele estava a pensar mas ele não disse mais nada apenas se virou acabando o seu cigarro atirando-o pela ponte como fez ao outro e caminhou para longe de mim - sem se virar uma única vez, sem duvidas ou excitações com certeza e sem medo, ele desapareceu acabando a ser comido pela noite fria e chuvosa.

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chaos + hsWhere stories live. Discover now