O Novo Integrante

49 2 0
                                    

— Capítulo 11 —

          Bia, agora, flutuava no auditório, usando sua cadeira de rodas como um trono mágico. O rosto se tornara esbelto, eliminando todas as imperfeições de sua condição: o nariz achatou-se, a pele perdera a palidez e se tornara morena, os olhos ficaram mais confiantes, sem mais a inclinação de outrora e cintilavam um potente azul mágico. E, agora, aquele seu olhar penetrante estava focado sobre os vilões entrando no auditório.

          "Vocês não vão machucá-los!", tentou dizer, embora nada ecoasse. Não sabia o porquê, mas ainda era incapaz de falar, mesmo naquele estado. No entanto, podia pensar claramente, como nunca antes. Parecia que um turbilhão de conhecimento ascendia a sua memória na forma de dados. Podia ver coisas que jamais imaginou que veria, entender o universo ao seu redor num passe de mágica: o mecanismo dos rifles dos soldados — sentia cada bala se deslocando no cano ao ser estourada pela espoleta —, os elétrons percorrendo a corrente elétrica nas lâmpadas fluorescentes, os computadores no andar de cima, zeros e uns vagando em seus neurônios e sinapses, como se estivessem abrindo e fechando portas. Agora ela se sentia estúpida por não saber consertar seu tablet quando queria escutar músicas. E que músicas mais ridículas eram aquelas! Será que não tinha nenhum rockzinho para a Bia antiga escutar, não?

          Junto com a autoconsciência e a intelectualidade preenchendo os cantos que um dia foram escuros em seu cérebro, vinham também as memórias. Ela se recordava de tudo e, por isso, mesmo que o Cavaleiro e os outros estivessem em perigo, mesmo que pudesse transformar seu corpo num imã e controlar cada pedaço de metal ao seu redor, ela simplesmente se desligou. Seus olhos pararam de brilhar e lacrimejaram.

          Irmão... Eu me lembro, me lembro de tudo.

          E agora que entendia o sacrifício de Samuel, nada lhe foi mais doloroso. Nem mesmo as palavras dele, naquele dia em que a família inteira se tornou passado, a machucaram tanto. Bia preferiria não ter ganhado aquele poder, ser apenas ela mesma dentro de seu corpo cheio de problemas, mas que desconhecia a verdade e ainda odiava o irmão.

          — Cuidado! — disse Natto, ainda agarrando a cadeira de rodas pelas pernas de Bia.

          Os soldados apontaram as armas em direção aos dois e voltaram a atirar.

          — Eu estou vendo. — Bia respondeu mentalmente. — Posso ver tudo agora, Natto.

          O Cavaleiro se surpreendeu com o sorriso dela, seus olhos pareciam bem mais maduros. As balas estacaram no ar novamente, flutuando pra cima e pra baixo como ioiôs. Natto desceu, se preparando para contra-atacar, mas foi surpreendido pela entrada de mais cinco soldados. De repente, antes que pudesse pensar em agir, as cadeiras do auditório começaram a chocalhar. Os parafusos que as prendiam nas barras, um a um, foram se soltando. Três cadeiras se ergueram e foram lançadas em direção aos inimigos, derrubando em sequência um, dois, três, todos os soldados que entravam pelo corredor central, como se fossem uma fileira de peças de dominó. As barras metálicas cuidaram daqueles que tentavam escapar pela porta de onde os civis saíam. O ambiente ficou repleto de metal voando e contornando a sala.

          No entanto, as cadeiras não acertaram o Comandante. Ou melhor, acertaram, mas o golpe não teve o mesmo efeito que em seus subordinados mascarados.

          — Ah, não. Era só o que me faltava — praguejou o Cavaleiro. Uma nuvem de gás esverdeada exalava do lugar onde devia estar a cabeça do comandante depois da cadeira acertá-lo.

          Instantaneamente, a cabeça voltou a se formar, o gás se aglomerando na parte superior do corpo e tomando forma. O homem de cicatriz retornou, calmo, abanando o uniforme com as mãos.

Knight's SelectionOnde histórias criam vida. Descubra agora