Diário Número Três

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Diário N°3 de Éris Dellavur

             Atlantis passou o dia todo inquieta. Nunca sabia exatamente o que se passava na cabeça dela, mas a vi encarando o celular mais vezes do que posso contar nos dedos. Talvez por ser dia dos pais. Ela não fala com muita frequência do meu avô Aaron, e quando falava sempre usava palavras de insultos o chamando de mentiroso e traidor, mas eu sei que lá no fundo, aquilo era uma grandiosa magoa que ela possuía. Ouvi ela falando sozinha também, se auto questionando se deveria ou não ligar, e em algum determinado momento, jogou o celular longe contra a primeira parede que enxergou, no intuito de fazer o aparelho quebrar mesmo, em seguida gritou, e proferiu todos os xingamentos que costumava usar contra o pai desde que ele se casou outra vez com uma mulher a qual segundo mamãe, ele disse que não teria nada, porque ela sempre estaria no topo dos seus planos. E então ela voltou com o discurso sobre porque nenhum homem presta e o porque todos deveriam ser exterminados da terra. A vi desfilando pela casa com seu lindo hobbie de seda vermelha, que marcava suas curvas e cobria seus pés, em suas mãos uma garrafa de Uísque, algo bem caro porque segundo ela, nada de segunda mão entraria em sua casa. Quando me viu, seus olhos brilharam por um breve momento, tenho certeza que sim, ela até parou de andar, e eu parei de fazer as anotações sobre álgebras, não parecia mais interessante porque de repente, eu sentia como se estivesse prestes a ganhar o maior presente de todos os tempos. Ela se aproximou, em meio tempo em que levava o gargalo até os lábios, bebendo aquilo como se fosse uma simples água, e então se abaixou ao meu lado. Seus olhos ficaram fixados nos meus, e seus dedos gélidos tocaram minha bochecha. Foi o mais próximo de uma carícia que já recebi vindo dela. Sabia que seu sentimento por mim não era amor, mas eu tinha esperança. “Você nunca vai ser feliz”, foi a primeira coisa que ela disse, me fazendo prender o ar nos pulmões, eu estava prestes a fazer questionamentos, quando os dedos dela tocaram meus lábios pra me silenciar. “Você já viu os vilões das histórias terem final feliz? Não, você não viu. Assim como eu você também não vai ser, mas diferente de mim, o fardo que vai carregar é o de ter atrapalhado a vida e todos os planos de alguém. Culpa por seila, ter sido forte e vindo ao mundo. Você sabe o que quero dizer”. Sim, eu sabia. Indiretamente ela disse que eu deveria ter sido abortada de alguma forma. Eu não consegui responder. Nunca conseguia. Apenas lhes dei um pequenino sorriso sem mostrar os dentes, o que foi retribuído por ela, para a minha própria surpresa. Logo ela me deu as costas, voltando a beber e saindo da sala, mas ainda consegui ouvir algo como: Eu só queria que ela desaparecesse. As pessoas dizem que o ódio e amargura vão destruir você, mas estão enganadas. É a esperança. É a esperança que vai te devorar de dentro para fora como um parasita. Vai te deixar em suspenso como isca para tubarão. Mas a esperança não vai te matar. Não é tão gentil assim.

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