V

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Saindo da sala da doutora Polansky, Billie ainda estava pensando em tudo que ouvira lá dentro. Ela estava um pouco mais em paz com si mesma; não parava de sorrir.

Enquanto caminhava segurando o pingente de lua no seu cordão no pescoço, ela passou pelo corredor dos armários novamente, as luzes estavam baixas porque o sol ainda estava se pondo, mas aquele ambiente era bem menos iluminado que o resto da unidade. Desta vez ela não estava se sentindo tão cansada e foi conferir o que havia ali. Ela não tinha esquecido do movimento que percebera naquele dia mais cedo.
Agora ela estava andando de fininho, calada e procurando por movimentos suspeitos. Ela sempre adorara séries de investigação, o que inspirava confiança e curiosidade nela.

Algo se mexeu. Repetidamente.

A garota se aproximou, era bem mais próximo ao chão, então se abaixou. O que era aquilo? Ela apertou os olhos e viu uma porta da cor da parede, por isso ela não tinha reparado antes. A porta parecia de plástico rígido e tinha uma abertura discreta em formato de janela, provavelmente saída de ar.

- "Um depósito? Eu estava obcecada por uma porta de depósito?!" - pensou em voz alta, mas logo se calou pois viu que sua voz provocou algo. Agora ela queria abrir a porta à todo custo.

Billie então tentou retirar a janela fechada. Estendeu a mão até lá e puxou. Parecia encaixe. Pelo menos ela não quebrou nada no primeiro dia. Ainda.

A garota começou a tatear o lado de dentro da porta. Era empoeirado. Algo passou por seus dedos, algo macio. Billie, será que você nunca viu filmes de terror? Não se procura esse tipo de coisa!

Passou de novo.

Agora ela sentiu um arrepio até a espinha, então paralisou sua mão.

Novamente. Esquerda, direita. Consecutivamente. Era macio como um espanador.

Mais um.

Espera, havia mais de um? Billie, é sério, vou parar de narrar sua história!

Agora ela tirara a mão como num choque. Estava cheia de pó? Não, não era pó, eram pelos. Espera, pêlos? Agora fantasmas têm PÊLOS?

- Pelos de gato?! - ela sentiu uma vibração, como o som dos felinos - Têm gatos aqui, meu deus, tenho que soltá-los! - novamente, pensou em voz alta. Agora ela estava indo pedir ajuda de Diana, tentou andar rápido sem parecer desesperada, mas no meio do caminho, esbarrou com outra pessoa. Melanie.

- Desculpa! Pela segunda vez no mesmo dia... - Billie estava ofegante e extremamente envergonhada - eu te ajudo. Melanie a olhava como quem controlava um furacão dentro de si. Billie fervia embaixo da pele.

- Você faz terapia por derrubar objetos alheios com frequência? - Melanie perguntou em tom de deboche, sua voz era aveludada.

- Gosto de variar nas situações que podem destruir minha vida social. Às veze vezes sou só introvertida, às vezes desastrada. Outras, as duas coisas - Billie sorriu com cinismo olhando nos olhos da menina de cabelos coloridos, que pensou em retrucar, mas fechou a boca e apenas a olhou com o mesmo cinismo que recebeu.

- Eu posso recolher sozinha. Pode ir fazer o que você tinha tanta pressa pra fazer. Espero que seja algo realmente importante - Melanie falava enquanto se levantava com sua mochila.

- Na verdade, acho que você pode me ajudar, isso se não for muito incômodo.

- Depende. O que você precisa?

- Vem comigo - Billie começou a andar e Melanie foi atrás, ainda não sabia porque estava a ajudando, mas ela tinha olhos tão brilhantes e hipnotizadores que ela sequer se importou em questionar a decisão.

- O que estamos fazendo aqui? Não tem nada - ela estava nervosa, como se escondesse algo.

- Tem sim, eu acabei de sentir. Acho que tem gatos aí, eu os senti ronronar, juro! - Billie estava com medo de ser desacreditada. Ela recebeu um olhar receoso da outra menina, mas não entendeu o porquê.

- Fala baixo! - Melanie respirou fundo -  Promete que não vai contar pra ninguém? - Billie assentiu - Ok - Melanie destrancou a porta - Você tem que levantar pela janela e empurrar ao mesmo tempo - disse enquanto o fazia.

Billie a olhava atentamente:
- Você já sabia?

- Eu os coloquei aí - abriu a porta - Vem, devagar - as duas entraram e Melanie acendeu a luz, era um depósito de materiais de limpeza, mas parecia desativado, estava com muitas teias de aranha. Melanie abriu sua mochila e retirou garrafas cheias de líquidos, potes e alguns retalhos de tecido - Me ajuda a limpar e dar comida?

- A - ajudo. O que tá acontecendo aqui? - Billie não sabia o que pensar.

- Ontem eu encontrei o Blue Boy, esse gato cinza, lá no depósito de lixo do outro lado do prédio, perto da ala masculina enquanto caminhava - Billie não sabia nem que havia uma ala masculina até então, mas claro que essa não era a única parte que a surpreendeu - Hoje cedo, eu voltei lá pra ver se tinha mais algum gato, e bingo, encontrei a Baby, essa coisinha fofa tricolor ali. E ela está grávida! Olha - Melanie fez carinho na cabeça de baby, que devolveu o afeto se esfregando na mão da menina. Billie observava chocada e com coração derretido, ela amava gatos - eu estava vindo trazer comida e água pra eles - mostrou o interior da mochila enquanto falava - o Blue tá com arranhões e uma parte da orelha machucada, mas não é nada sério, a Baby me preocupa mais porque, aparentemente, ela já tá quase em trabalho de parto - a garota tirou suéteres felpudos de dentro da mochila para aquecer a gatinha gestante.

- Mas por que você não pediu ajuda pra algum funcionário? Não tem como manter gatos aqui, ainda mais uma grávida! - Billie se agachou próxima aos gatos, Blue se esfregou em seus joelhos abaixo da bermuda larga - e se descobrirem?

- Porque eu não podia deixá-los lá! Eles são uns amores - Melanie dramatizou a voz em tom agudo enquanto fazia carinho nos bichanos, eles gostavam naturalmente dela, como se simpatizassem pelo carisma. E não estavam errados. À esta altura, Billie já havia perdido a pose de insensível e estava derretida com os gatos e, claro, com Melanie, ela não podia conter a expressão boba em seu rosto olhando para a menina.

- Ok, estou dentro. Mas qual o plano? Fazer um parto dentro do depósito desativado?

- Você tem uma ideia melhor?

- Não.

- Então parece que vamos ter que transformar essa sala suja num local decente pra se fazer um trabalho de parto felino - ela jogou outros retalhos de tecido e álcool em gel para Billie - A gente se reveza pra ficar aqui. Fica tranquila que ninguém se importa com esse depósito, até porque aqui é um ponto cego nas câmeras de segurança, por isso tá vazio. Você só precisa ter cuidado pra ninguém te ver entrando ou parecer suspeita de carregar itens ilegais - a menina puxou uma caixa de sapato que estava coberta com o tecido branco que já havia lá e abriu - aceita algo?

- O que tem aí? - Billie esticou o pescoço. Foi aí que ela viu que Melanie era um problema maior do que pensava, talvez mais do que Diana pensava que fosse.
Na caixa haviam maços de cigarro industrial e o famoso cigarro verde, saquinhos plásticos com algum tipo de pó branco (dica: não era farinha de trigo), cartelas de "adesivos" quadrados e multi coloridos, vidros e caixas de remédios, todos misturados. Além, é claro, de toda a Parafernalha necessária pra fazer tudo aquilo funcionar. Obviamente ela não tinha receita (para os que existem receita, convenhamos), ou seja: alerta vermelho de garota - problema. O pior é que esse era exatamente o tipo de garota que Billie costumava se interessar.

Dito e feito.

Melanie olhou  para Billie com uma ingenuidade cínica enquanto tirava um pedaço de papel seda do bloco.

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