5. Nos bastidores

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Já fazia bem uma semana e meia que Dirk, Marlo e Konatta estavam planejando o que iriam fazer na peça ultrarromântica. Obviamente Konatta, que até aquele momento só estava ali para fazer um volume, não sabia muito o que dizer. Pensou em sugerir poucas coisas, e poucas criativas. Além disso, como fariam a peça somente com três?

Naquela segunda-feira estava o trio reunido no palco do teatro para finalizar a estória da peça. Ela teria apenas dois atores principais e personagens secundária apareceriam apenas uma por vez. Eles tinham acabado de escrever um final super trágico e agora estavam falando da importância de interpretar bem.

— E Konatta – dizia Dirk, — pra plateia ter aquele boom mesmo, ficar tocada pela cena, cê precisa interpretar isso com muito muito jeito. Não dá só pra fazer uma ceninha e achar que tá bom, então a gente vai ter que ensaiar principalmente esta parte.

Konatta suspirou meio impaciente.

— Calma, gente. Eu já disse que não sou boa nessas coisas de interpretar. Eu sou muito... muito travada. É melhor eu ser o ator secundário e vocês serem os principais.

— Mas quem é que vai ser a mulher?!

— Você!

E calaram-se por um segundo, enquanto Dirk se conformava com a ideia de ser Saturnia, a mulher da peça.

— Eu não sei atuar, mas vou compensar isso pra vocês. Eu manjo bastante de fazer cartazes e posso fazer um bem grande pra colocar na entrada.

— Eu quero fazer o cartaz de entrada. Já planejei – interrompeu Marlo.

— Tá, mas ainda posso fazer os cartazes pequenos, pra apresentar o nosso tema, e sou eu que vou organizar tudo na coxia. Então estamos balanceados.

— Está tudo certo – concordou Marlo.

Terminada esta conversa, uma das muitas que tiveram que começar, Konatta olhou para o relógio e começou a guardar o caderno e o estojo em sua bolsa.

— Bom, eu tenho que ir. Já deu minha hora e minha mãe me mata se tiver que me esperar um só segundo no carro. Até amanhã.

Os meninos se despediram dela e a japonesa saiu andando rápido. Marlo ficou olhando sério para Dirk e o deixou perceber. Ele esteve assim durante a reunião inteira. Talvez não o tempo todo, mas não se cansava de dirigir olhares distraídos a seu parceiro. Dirk tentou não perceber o puro interesse animalesco em seu rosto, todavia para ele isso estava evidente demais... e incômodo. Mas Marlo não podia resistir, o moço franzino e fraquinho ficava muito fofo escrevendo em seu caderno com suas canetas coloridas. E ele tinha um jeito todo especial de escrever e de fazer traços de título.

Depois que soou a batida da porta do teatro, puderam falar.

— O que está olhando? – perguntou Dirk.

— Estou olhando você.

Pausa dramática.

— Olha! Eu já aceitei te aceitar... Já aceitei fazer esse negócio junto com você. Será que a gente pode esquecer o que aconteceu e continuar com o profissionalismo?

Marlo, de maneira afrontosa, endireitou a coluna e cruzou os braços na frente de seu peito selvagem.

— Mas eu não sou um profissional de teatro, sou profissional de informática e de casa noturna – disse pausadamente.

— Nã-não importa. Eu não gosto da sua atitude e já quero que você não tenha expectativas.

Os dois pausaram para se olhar de novo enquanto um fazia cara de insatisfeito e outro fazia cara de teimoso maligno.

— Além disso, eu nem sou assumido fora de casa. Preciso resolver meus problemas da minha vida primeiro.

— Está falando demais para quem é tão tímido. E eu tenho certeza de que você vai morrer de vontade de assumir depois que sentar em seu primeiro pênis.

— Olha aqui! – agora ele estava indignado; balançava a caneta para falar – Eu não vou aturar isso. Já falei que não quero nada com você e não estou nem um pouco apaixonado.

— Mas quem disse que precisa estar?!

Naquele momento, Marlo começou a usar, pela primeira vez no rapaz, suas armas de captura. Avançou de sua cadeira para Dirk e engatinhou enquanto ele fugia sem sucesso. O lobo aproximou-se do gato preto enquanto sua face de valentia felina se transformava numa expressão de temor e incapacidade.

Enquanto Marlo cobria seu corpo, como uma nuvem lenta e imparável cobre de sombra uma cidade, Dirk sentia uma nova sensação subindo por suas pernas e atingindo seu peito.

— Quantas vezes vou ter que te dizer que não adianta fugir, Dirk? Por mais que você tente, não pode fugir do que há dentro de você.

A voz baixa de Marlo capturava e acorrentava os ouvidos de Dirk enquanto ele falava lentamente, provocando. Aos poucos, o rapaz franzino se convencia de que aquilo era verdade. O medo no coração do gato preto o obrigava a admitir que tinha sido capturado pelo lobo.

— Você não gosta de mim, mas em algum lugar aí dentro... existe um animal morrendo de... fome!

Então o lobo abocanhou o gato pela jugular e sua língua passeou pelo pescoço fino e frágil. Aquele homem ousado terminou por arrancar de seu desejado alguns beijos muito bem dados; beijos bem-feitos demais para quem não queria nada. Dirk sentiu aqueles beijos e aqueles toques abusivos como se fossem pedaços de si sendo arrancados por uma fera. Ele simplesmente largou o peso de seu corpo e se deixou ser tomado por braços vilãos e uma boca sedenta. Seus lábios e línguas fizeram silenciosos barulhos molhados e macios que temperavam o momento com gostosura e travessura.

Depois de dez segundos de espetáculo naquele palco. Dirk finalmente reuniu suas forças e repeliu Marlo. Então, com muita raiva, levantou-se, arrumou seu caderno e estojo de volta dentro da mochila e desceu do palco.

— Tem certeza que não quer continuar? Eu estava quase tirando sua calça – disse Marlo, sorrindo com satisfação, satisfeito por ser um homem perigoso.

Dirk virou-se para encará-lo desde o fundo da nave e lançou seus olhos e sua boca de impaciência.

— Marlo, o único motivo de eu ter abraçado a ideia de fazer uma peça ultrarromântica com você é que eu gosto muito dessa escola literária, não de você.

Então o gato preto saiu confuso, arrepiado por ter sentido a mão de seu predador entrando em sua calça e renhido por ter sido capturado, como um virginiano fica irado por não conseguir descobrir como o mágico fez o truque. Ele odiou ter sido ludibriado por Marlo; apesar de não querer, tinha que admitir que tinha se entregado, nem que por um segundo, aos beijos doces; e foram vários segundos. Dirk sentia ainda mais raiva por ter sentido seu falo ficar duro ao sentir Marlo cobrir seu corpo. Foi uma ereção muito dura e piscante para uma pessoa que ele estava detestando conhecer. Sentindo esta indignação, bateu a porta do teatro com força e foi embora torcendo para que seu pescoço não estivesse roxo.

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⏰ Last updated: Sep 15, 2020 ⏰

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O AcorrentadoWhere stories live. Discover now