Capítulo 5

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            Alyssan saiu calmamente de onde estava em direção ao palco. Por fora aparentava profunda calma, por dentro era o próprio caos. Pensava em tudo que poderia dar errado. Pegou de seu bolso uma água-marinha e a colocou em sua pequena corrente no pescoço. Sua mãe a havia dado quando tinha apenas quatro anos. Todas as suas pedras tinham perfurações que tornavam possíveis serem postas na corrente. A água-marinha era conhecida como uma pedra que ajudava a clarear pensamentos, de forma que ela julgou ser a melhor de estar mais perto.

Quando finalmente adentrou o palco seus pés congelaram por uma fração de segundo. Nunca havia feito magia na frente de outras pessoas que não sua prima e seu tio. Isso se não contasse Kirsh. Sua hesitação, entretanto, durou menos que um segundo. Ela sabia que o importante era o que você aparentava e não o que você era. De forma que se aparentasse força e confiante, ela seria forte e confiante.

Assim que se posicionou ao centro do palco e Kranshous a apresentou, Alyssan soltou sua capa no chão. O vestido que usava tinha pertencido a sua mãe e era de um azul igual aos seus olhos. A manga curta era adequada ao calor dessa época do ano, e as rendas floridas na parte de cima o deixavam mais jovial.

Seu olhar se manteve fixo a frente, observando cada um dos juízes e passando a mensagem de que seria vitoriosa naquele momento.

O pequeno frasco com o líquido chegou na bandeja. Krankhous abriu a tampa e lhe entregou em mãos. Alyssan tentou sentir o cheiro da substância, mas era completamente inodora. Sem nem ao menos piscar pegou o frasco e bebeu até a última gota.

O efeito foi quase imediato. Vozes conhecidas começaram a sussurrar em sua mente. Ela sabia que tudo só pioraria, então precisava agir rápido. Tinha firme a ideia que desejava implantar nos jurados. "Eu vou ser parte do círculo". Alyssan fechou os olhos e juntou as palmas das mãos, sentindo toda sua força fluindo pelo seu corpo. Preferia poder falar algumas palavras, elas ajudavam a realizar qualquer tipo de magia com maior facilidade, mas sabia que no momento era impossível. As vozes estavam cada vez mais altas.

Ela preencheu o corpo de forma que todo ele fluísse a ideia a ser induzida. Quando se sentiu prestes a explodir separou as mãos apontando-as em direção aos juízes. Quando abriu os olhos pode ver a expressão atônita dos jurados. Todos pareciam hipnotizados, o que significava que provavelmente tinha dado tudo certo.

Um grito conhecido cruzou sua mente e Alyssan teve que tirar parte da concentração que usava para emanar a ideia. Esse pedaço de concentração se voltou a pedra presa ao pescoço. O grito não diminuiu, mas ela conseguiu se manter firme.

A juíza da direita começou a concordar com a cabeça, e então a do meio disse em voz alta que Alyssan deveria fazer parte do círculo. Isso tudo quase a desconcentrou, estava aliviada de sua magia estar tendo o efeito desejado. Talvez até passasse com notas altas. E quem sabe isso não a ajudaria na próxima fase?

O tempo passou e ela mal reparou, enquanto se dividia em continuar emanando a ideia e ignorar as vozes em sua mente. Foi só quando Krankhous a segurou pelos ombros que ela desabou. A força que estava fazendo a havia devastado. Tentou olhar para cima em busca das notas, mas tendo perdido a concentração, as vozes começaram a fazer mais efeito. Ouvia agora coisas nunca ditas a ela, mas que eram dolorosas de ouvir.

Ela só queria que tudo ficasse quieto. Não podia chorar, apesar de ser o que mais desejava no momento. Sentiu braços a segurarem e em sua mente ela imaginava estar sendo levada para o porão, onde tantas vezes foi obrigada a dormir em sua infância. Tentou lutar por um tempo, mas então tudo ficou preto.

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Aodh não conseguia tirar os olhos do palco, mesmo depois da jovem ser retirada. Alyssan, esse era o nome da garota ousada, a que havia sido capaz de responder ao príncipe. Tudo nela o chamava a atenção. Sua aparência selvagem, seu jeito atrevido e agora sua força mágica. Mesmo Ruri, que tinha ido incrivelmente bem, havia ficado atrás das notas dela.

Saber que ela havia passado o deixou mais motivado a ir bem. Queria poder descobrir mais sobre a garota dos cabelos vermelhos.

A demora, entretanto, começou a desanimá-lo. Havia várias pessoas medianas ali no meio. Ninguém ainda a havia superado. Fazer as contas das pessoas no meio dava muito trabalho. Mais tarde ele descobriria junto com o resto quem tinha passado de fase.

Gadora e Mael apresentaram resultados satisfatórios. Talvez finalmente a família deles conseguissem aquilo pelo qual sempre lutaram. Deixariam de ser só uma família abastada para serem integrantes do círculo.

_Você deve ser um dos próximos. – disse Domi que havia surgido do nada.

_Ah, é provável mesmo. – respondeu Aodh com um bocejo sonolento. Já deviam passar das 23h da noite.

_Queria te dizer que pude entender seu interesse na ruivinha. Muito gata mesmo.

Não tinha motivo, mas ouvir Domi falar assim dela fez subir um sentimento de raiva em Aodh. Ele teve de respirar fundo duas vezes para apaziguar a cabeça.

_É, parece que sim.

Sem se despedir do amigo ele se dirigiu a entrada da direita. Domi estava certo, ele devia ser o próximo ou o logo após.

Na verdade, duas pessoas foram chamadas antes dele. Quando ouviu seu nome ressoar pela tenda a garganta fez um nó. Era muito fácil parecer despreocupado quando a coisa não era real. Sempre havia tratado o torneio como uma questão para depois. Esse tempo tinha acabado. Ele estava prestes a ficar de frente para os pais com a tarefa de não passar vergonha e ser eliminado na primeira fase.

Assim que pisou no palco e Krankhous começou a o apresentar ele focou o olhar nos pais. Ambos tinham as feições duras e ao mesmo tempo plenas. Pareciam duas estátuas entalhadas pelas mãos dos melhores artistas. Buscou em seus olhares algum conforto, mas eles pareciam olhar através de Aodh.

Quando o liquido chegou ele hesitou mais do que deveria. Pode sentir o olhar de sua mãe o fuzilando. Aodh fechou os olhos e engoliu todo o conteúdo. Assim que terminou a última gota sentiu uma pontada na cabeça. Diversas imagens começavam a se formar. Imagens dele mesmo, imagens de seus pais decepcionados com sua falta de interesse nas questões políticas. Imagens do círculo em reunião falando mal dele para os monarcas.

Todos sempre o viram como fraco. Sempre fora falado pelas costas por ser o príncipe. Ele vislumbrou então o futuro caso não passasse. Ninguém mais se importaria em mostrar o desprezo que sempre sentiram. Ele não seria ninguém.

Aodh se deu conta que perdia seu tempo com essas imagens. Precisava se concentrar em alguma ideia. Pensando agora sabia que deveria ter tido alguma ideia antes da prova começar. As imagens atrapalhavam muito o pensamento. Ele conseguiu lembrar de algumas palavras que ajudariam a influenciar outras pessoas. Sem tempo para pensar em algo interessante proferiu as palavras mágicas e evocou.

Os jurados haviam sido acertados. Por algum milagre a ideia havia se propagado com mais força que ele imaginava e em pouco tempo os juízes conversavam da importância de se limpar as roupas íntimas.

Ele agora ouvia risos e não conseguia dizer se era só sua mente lhe pregando peças ou se as pessoas realmente estavam rindo dele. A força para consegui manter a ideia existente nos jurados e lidar com a confusão mental era quase insuportável. Por um momento imaginou a força que Alyssan devia ter para ter conseguido manter sua ideia tão forte.

Assim que ele distinguiu a voz de Krankhous Aodh largou a ideia. Não tinha como segurar mais. Prestar atenção nas notas foi um trabalho árduo. Não tinha como ter certeza se havia passado, suas notas se encontravam naquele meio que ele havia tido preguiça de contar.

Sentiu uma mão segurar a sua. Não conseguiu nem pensar antes de segurar de volta. Seja lá quem fosse o puxou para algum lugar. Poderiam o estar levando para os calabouços e ele seguiria. Só queria poder deitar em sua cama e dormir até o sol despontar no dia seguinte. 

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