A primeira vez que dissemos "te amo"

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Shoto pôs o telefone no gancho quase sem fazer barulho e voltou para o sofá, onde seu marido estava sentado assistindo um programa sobre história dos aviões na televisão. Izuku deitou-se com a cabeça em seu colo, sem tirar os olhos da tela, induzindo-o a enrolar os dedos por cachos outrora verdes em um carinho delicado.

— Parece que nossos netos vão vir nos visitar no final de semana — Shoto disse com um tom de voz descompromissado. — O que acha de fazermos o nosso bolo especial dessa vez? Nós compramos todos os ingredientes ontem de qualquer forma.

— Acho ótima a ideia. — Izuku virou a cabeça para encará-lo de baixo. — Faz tanto tempo que não assamos nada que me pergunto se o forno ainda funciona. Nós podíamos também fazer alguma coisa de soba, já que eles pareceram herdar também esse gosto de você.

A confirmação silenciosa veio com um movimento curto de cabeça e uma expressão que transparecia contentamento. Izuku levantou o braço para tocar no rosto do outro desde a linha do queixo até o começo da cicatriz na bochecha. Ainda se surpreendia com o quão bonito ele era. Shoto fechou os olhos e inclinou a cabeça sobre sua mão de uma forma que já havia se tornado costume entre os dois desde quando eram jovens.

Algumas vezes parecia a Izuku que ainda eram os dois jovens heróis que tinham acabado de adotar a segunda menina e, apesar de apreciar a calmaria das tardes apenas na presença do homem que amava, sentia um pouco de falta de crianças pequenas correndo pela casa, por isso se sentia bastante ansioso pelo próximo fim de semana.

— Como está o pé?

Shoto interrompeu os pensamentos do outro, que precisou de alguns segundos para processar a pergunta. Tinha machucado o tornozelo em um treino pela manhã, mas ainda que houvesse um pequeno inchaço, a dor não era bastante para incomodá-lo a ponto de precisar ir ao hospital, por isso apenas pediu para que o marido o ajudasse a imobilizá-lo com algumas faixas que tinham em casa.

— Vai ficar bom. — respondeu enquanto levantava a perna esticada no ar e apontava para si próprio. — No momento só um pouco de dor para me lembrar que estou velho demais para tentar coisas muito avançadas.

— Você já entrou na U.A. velho demais então.

A observação de Shoto o deixou sem reação por um instante no qual levantou os olhos na sua direção boquiaberto. Sabia que ele não havia tido a intenção de soar engraçado, mas explodiu em uma gargalhada enquanto se encolhia no sofá. Limpou as lágrimas do rosto com o antebraço, mas voltou a rir ao notar a confusão no rosto do outro. Ele estava certo afinal. Talvez se machucar além do normal houvesse se transformado em algo tão corriqueiro que já não o surpreendia tanto assim.

— Bom — Shoto continuou assim que o marido acabou de ter acessos de riso sobre suas coxas. — Acho melhor nós pegarmos leve até o sábado para você já estar recuperado antes das crianças chegarem. Ouvi nossa filha dizer que o mais novo quer ser um herói. Com aquela individualidade, eu acredito que consiga passar no exame da U.A. com uma boa colocação, mas me preocupa um pouco a atitude dele no geral…

— Ele ainda é uma criança, amor. — Izuku se pôs sentado com as pernas cruzadas na direção do outro. — Nós também éramos pessoas muito diferentes antes de passarmos pela academia. Inclusive acredito que estudar para ser um herói possa fazer bem para ele nesse quesito.

— Tem razão. — Shoto encarou as próprias mãos sobre os joelhos por um tempo antes de complementar. — Mas em uma coisa eu discordo. — Izuku viu-o virar a cabeça em sua direção com um sorriso sincero. — Você sempre foi muito forte, mesmo antes da escola.

Izuku gaguejou qualquer coisa que não chegou a ser uma resposta. Podia dizer que mesmo depois de todos aqueles anos a admiração que tinham um pelo outro era um dos fatores mais sólidos de seu casamento. Ainda assim, não conseguia evitar de se sentir encabulado toda vez que o homem à sua frente lhe fazia um elogio direto como aquele.

— Nós estamos bastante saudosistas esses últimos dias, não acha? — Disse quando finalmente seu coração voltou a ritmo normal. — É uma pena que o desafio termina hoje...

Assim que o programa de tv terminou, Shoto ajudou Izuku a mancar até o escritório. Sentou-o na cadeira mais próxima à porta e pegou todos os materiais para que escrevessem. A última pergunta foi algo sobre o qual não precisaram discutir muito, pois estava gravada de forma parecida na memória de ambos. Por fim, chegaram a um acordo sobre Izuku ser aquele que colocaria no papel.

“Foi no natal do nosso terceiro ano de namoro. Eu estava no hospital cheio de curativos pelo corpo e uma perna quebrada, por isso só seria liberado no dia seguinte. Nós conversamos por mensagem de celular durante toda a tarde, até a hora em que o sol terminou de se pôr e as luzes dos enfeites na rua coloriram o teto do quarto.

Lembro de ter dito a Shoto sobre como eu gostaria que estivéssemos juntos naquela data, nem que fosse só por alguns minutos. Depois de um tempo sem responder, ele apareceu na janela do terceiro andar com um buquê de rosas vermelhas nas mãos. O vento gelado me fez tremer ao abrir o vidro para que meu namorado terminasse de escalar até o interior do cômodo. Fiquei um pouco desconcertado pela surpresa, mas ao mesmo tempo não consegui deixar de sorrir enquanto colocávamos as flores, que preenchiam o ambiente com um cheiro fresco, em um jarro na mesa de cabeceira.

Shoto tirou o sapato para se deitar do meu lado e eu o cobri, antes de me aninhar em seu peito. Nos beijamos pelo tempo em que nossas mãos buscavam pelo corpo um do outro com certa urgência. Acredito que foi a primeira vez que fiz algo dessa natureza em um hospital. No fim das contas, estávamos ambos cansados e ofegantes quando nos miramos imóveis por um tempo que parecia ser só nosso.

A hora de Shoto voltar para casa chegou, mas nenhum de nós queria se despedir ainda. Entrelaçamos os dedos e ficamos conversando sobre qualquer coisa enquanto a noite ia passando. Eu já mal conseguia manter os olhos abertos quando ele beijou minha testa vagarosamente, então se separou apenas poucos centímetros do meu rosto e disse com uma voz amena: “eu te amo”. Sem pensar nos meus machucados, abracei-o com força, sentindo meu coração acelerar a um ponto que ficou difícil respirar.

Repeti aquela frase mais de uma vez entre os beijos que trocamos. E continuo repetindo até hoje.”

Assim que Shoto terminou a leitura, envolveu o marido entre os braços em silêncio. Os últimos cinco dias haviam sido uma experiência preciosa para os dois, de forma que era realmente difícil conceber o fato de terem finalmente terminado.

— Não tem uma pergunta extra? — Apontou para o papel com as instruções do desafio.

— Sério? — Izuku virou-se a procura do que o outro indicava. — E qual é?

— A primeira vez que fizemos sexo.

— Ah. — Ele cobriu com as costas de uma das mãos as bochechas, que queimavam com a súbita memória que lhe veio à mente. — Q-quer mesmo escrever s-sobre aquela vez?

— Bom, — Shoto tinha um meio sorriso enquanto correu as pontas dos dedos pelo ombro do outro. — Acho que sobre esse assunto, é melhor fazer do que escrever mesmo.

— Hum. — Izuku concordou, percebendo as intenções do seu homem. Inclinou-se para beijar-lhe o pescoço e murmurou a pergunta próxima à sua orelha, mesmo que a resposta fosse clara. — Que tal agora?

— Agora parece perfeito.

Dias de NamoradosOnde histórias criam vida. Descubra agora