A primeira vez que saímos juntos

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A luz da tarde entrava angular pela janela colorida do corredor, deixando um mosaico caloroso que se estendia do chão até a parede. Podia-se ouvir o canto dos pássaros e cigarras do lado de fora, mesmo que ainda estivessem no final do inverno. Shoto e Izuku sentaram-se lado a lado para continuarem a tarefa à qual haviam se proposto no dia anterior.

Após um bocejo demorado, Izuku esticou os braços para cima se espreguiçou, corrigindo a própria postura. Haviam acabado de acordar de um cochilo no sofá e já não eram mais tão novos para não ficarem doloridos, apesar do treino matinal diário. Assim que baixou as mãos, recebeu um beijo surpresa na bochecha. Virou-se na direção do outro, mas Shoto já estava segurando a lateral dos óculos, enquanto se debruçava sobre a página do questionário.

— Qual é a segunda pergunta, para hoje? — Izuku perguntou sem se dar ao trabalho de ver por si próprio.

— A primeira vez que saíram juntos. — Shoto levantou a cabeça e agitou o lápis entre os dedos compridos. Sentia-se confuso e um pouco contrariado em relação a alguns pontos dessa questão. — A primeira vez que nós saímos e estávamos juntos ou querem saber como foi nosso primeiro encontro?

— Acho que podemos responder com aquilo que foi mais significativo para nós enquanto casal? — Izuku coçou o cabelo atrás da orelha e depois ajeitou a barra da camisa, pois sentia um pouco de frio. Shoto compreendeu o gesto e se aconchegou a ele, que passou o braço por trás de sua cadeira e continuou. — Se é assim, me parece estar perguntando por nosso primeiro encontro.

— Isso é estranho. — O homem apontou para a questão 4 enquanto tirava uma mecha de cabelo vermelha da frente dos olhos. — nós não deveríamos considerar a primeira vez que nos beijamos como primeiro encontro?

— Você considera? — Izuku encarou-o, surpreso. — Não seria melhor falar daquela vez que fomos ao aquário? Quer dizer, foi a primeira vez que a gente combinou de fazer alguma coisa divertida juntos… E também quando você me pediu em namoro…

Um sorriso tímido se espalhou por seu rosto ao passo que o outro concordou com a cabeça. Era uma lembrança distante, mas que ainda parecia nítida em sua cabeça. Considerou que devesse escrever essa também, mas teve vontade de saber sobre aquele dia na perspectiva de seu então namorado. Apoiou a cabeça sobre o ombro dele e encarou a folha de papel em branco, quase conseguindo visualizar as tartarugas nadando calmas, o gosto do chocolate quente da lanchonete, a sensação de andarem de mãos dadas...

— Você estava usando um cachecol azul e branco e esqueceu de tirar a etiqueta da loja, que ficou balançando para lá e para cá o tempo todo. — O comentário veio junto à uma expressão séria e nostálgica.

— Não é um detalhe um pouco estranho para destacar? — Izuku corou. Até o momento, nunca ficara sabendo disso. Calculou mentalmente o quanto havia percorrido com uma marca pendurada no pescoço e pôs a mão na frente do rosto ao pensar em si mesmo naquela situação. — Por que não me falou na hora?

— Não sei, eu não queria estragar o momento. — Shoto deu de ombros enquanto segurou a mão do marido em cima da mesa. — Estava tão nervoso aquele dia quanto você, sabe?

Assim que terminou de falar, sentiu-se sendo puxado na direção do outro e virou-se para que seus lábios se encontrassem. O cheiro da respiração de Izuku era uma das coisas que mais o atraíam. Podia dizer que estivera apaixonado por ele desde os tempos da escola e, mesmo com a passagem dos anos, a urgência por se enrolar no mesmo cachecol e abraçá-lo durante horas ainda mais ou menos existia. Além do mais, graças àquele encontro, provavelmente, tudo o que significava ter uma família passou a fazer sentido em sua vida.

— Eu quero escrever essa. — Anunciou em um tom de voz firme, por fim. Antes que Izuku pudesse dizer mais alguma coisa, ele já estava riscando o papel:

“Nós trabalhávamos em lugares separados na época, mas costumávamos nos encontrar esporadicamente durante as patrulhas. Não sei exatamente como aconteceu, mas começamos a conversar praticamente todos os dias por mensagem de celular desde a ocasião em que nos beijamos. Ainda posso me lembrar da felicidade que sentia ao ouvir sua voz quando me ligava e de como eu não queria que o tempo passasse tão rápido na presença dele.

Nesse dia já era tarde quando o telefone tocou. Izuku havia tido um problema com um vilão no trabalho e por isso soava cansado, mas ainda assim tentou me animar sobre os dois convites para um aquário que tinha ganhado para o final de semana seguinte.

Eu o esperei na estação e nós pegamos o trem até o litoral. Na praia havia um vento frio que não me incomodou, mas quando ele começou a se agarrar ao meu braço, senti que poderia pegar fogo a qualquer momento. Chegamos ao destino um pouco mais tarde do que o previsto, mas o local não estava muito cheio, então pudemos passear pelas salas sem que várias pessoas nos parassem para tirar fotos, pedir autógrafos ou algo parecido.

Não conversamos tanto quanto o fazíamos por telefone, de alguma forma eu não sabia o que falar e todas as vezes que nos olhávamos era como se algo estivesse se mexendo dentro da minha barriga. No final da tarde, fomos até a lanchonete, mas não consigo me lembrar do que comemos, apenas do barulho da chuva lá fora e do murmúrio do rapaz ao meu lado.

Segurei a mão dele por baixo da mesa e não nos soltamos mais até chegarmos um um salão amplo e vazio com vidros em todos os lados nos separando das águas azuis que pareciam não ter fim. Ficamos um tempo em silêncio, observando tartarugas passarem ligeiras, antes de eu me virar em sua direção e nossos olhos se encontrarem assustados. Parecia só haver nós dois no mundo. Aquele havia sido um dos dias mais calmos e, ao mesmo tempo, agitados da minha vida.

Então eu o pedi em namoro.”

— Soube que eles demoliram o aquário. — Izuku terminou de ler e comentou, evitando as lágrimas que lhe vieram. Era como se estivesse vivendo a cena outra vez em sua cabeça. Suspirou. — Gostaria de poder voltar lá…

— Bem, eu ainda estou aqui. — Shoto abaixou a folha das mãos do outro com delicadeza e pôs ambas as mãos em suas bochechas, observando-o da forma que vinha fazendo há tantos anos. — Se você quiser namorar comigo.

— Eu aceito.

Dias de NamoradosOnde histórias criam vida. Descubra agora