A primeira vez que nos beijamos

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As luzes dos postes já iluminavam a estreita rua de um tom esbranquiçado, mesmo que o céu não estivesse de todo escuro, quando Shoto destrancou a porta de casa. Sua expiração produzia pequenas porções de neblina devido ao dia ter sido um dos mais frios da estação. Ao seu lado, Izuku esfregava as mãos cobertas por luvas. Ambos traziam sacolas penduradas nos pulsos após a ida ao supermercado.

Puseram tudo em cima da mesa de jantar e ligaram o aquecedor. Porém, ao notar que o marido ainda tremia, Shoto aconchegou-o em seu lado esquerdo e produziu um pouco de calor até que a temperatura interna fosse suficiente para tirarem os casacos e poderem continuar com a tarefa de guardar em seus lugares o que haviam acabado de comprar.

— Você sempre salvando a minha vida. — Izuku mencionou enquanto segurava a porta da geladeira com uma das pernas, pois tinha nas mãos as garrafas de suco para serem guardadas. — Se eu soubesse que estaria tão frio lá fora hoje, teria colocado outra camisa.

— Hum. — Shoto concordou com a cabeça, ainda que o frio não lhe incomodasse tanto quanto ao outro, antes de passar-lhe um saco com cenouras. — Acho que mesmo depois de velho, minha individualidade ainda é conveniente.

— É sim, bastante. — Izuku fechou a gaveta dos vegetais e tirou uma carne do congelador para preparar mais tarde. — Se bem que qualquer individualidade me parece bastante conveniente hoje em dia.

Shoto começou a guardar algumas caixas no armário de cima, tomando cuidado de colocar tudo o que fosse novo mais para trás. Aquele assunto ainda lhe parecia um pouco delicado, apesar da negação do outro quanto a se sentir incomodado. Quando Izuku passou adiante o One For All, pôde sentir como ele carregava certo pesar junto à uma insegurança velada por precisar voltar a ser alguém sem individualidade.

— Não existe mais nem um pouco de super força aí dentro? — Perguntou, tentando parecer casual. — Eu lembro de tudo não ter desaparecido instantaneamente quando você deixou de ser o dono. E o mesmo aconteceu com All Might... Talvez algum resquício sempre fique com você.

Izuku terminou de ajeitar a pia e se virou na direção do outro, que colocava as sacolas no lixo, anunciando que seu trabalho estava pronto. Fazia anos que nem ao menos tentava usar a individualidade que um dia fora sua. Resolveu concentrar-se, como no tempo em que era garoto, e buscar sentir a energia fluir por seus membros. Não era como se a sensação não estivesse lá, mas sua presença era mais uma memória sensorial do que algo físico de verdade. Suspirou.

— Nadinha — concluiu resignado. — Bem, mesmo que esteja completamente impedido de desempenhar qualquer função de herói atualmente, não é como se eu fosse de todo fraco… Eu acho.

— Acredito que você consegue me carregar até o quarto, como nós fazíamos no começo do nosso casamento, antes das meninas chegarem.

— Você quer que eu te carregue até o quarto?

Izuku fez a pergunta quase em tom de afirmação, conforme um sorriso divertido lhe percorreu os lábios. O silêncio inexpressivo do outro confirmou ainda mais sua intenção. Sem delongas, levantou-o com os dois braços, enquanto Shoto envolveu-o pelo pescoço, deixando seus rostos bem próximos. Era mais leve do que a recordação que tinha dos velhos tempos e agora podia sentir a atual magreza nos joelhos do homem em seu colo, mas o cheiro, o toque e a maneira de encará-lo permaneciam iguais aos do jovem herói por quem estivera apaixonado durante tanto tempo. Não pôde evitar de se sentir abençoado por tê-lo ao seu lado.

— Que tal se eu te levar até o escritório dessa vez e contar para você a minha versão da história do nosso primeiro beijo mais uma vez? — Propôs enquanto caminhava vagarosamente pelo corredor, sentindo a respiração do outro esquentar-lhe o pescoço. — E depois disso você pode me encher de beijos por quanto tempo quiser.

“Não fazia muitos meses que eu tinha terminado meu relacionamento com a Ochako e, mesmo que tenhamos ficado de bem, com um acordo sincero e sem brigas, eu ainda estava me sentindo um pouco abatido. Foi nessa época que surgiu um rumor em relação à liga de vilões estar tramando alguma coisa no norte e eu decidi me juntar à investigação para espairecer e focar no trabalho.

Fomos até uma estação de ski nas montanhas em busca dos casos de aparecimento de vilões cometendo alguns crimes menores também naquela área. Chegamos à noite e nos hospedamos em um hotel tradicional enquanto a nevasca tirava qualquer possível visibilidade do terreno. Eu estava indo tomar um banho nas termas, quando me deparei com Shoto no caminho.

Conversamos majoritariamente sobre a investigação, uma vez que ele também estava lá por esse motivo, mas também nos atualizamos sobre nossas vidas, porque não havíamos tido essa oportunidade de conversar desde o final da escola, quando seguimos por caminhos diferentes. Me impressionei de como ele estava mais bonito ainda, agora que eu tinha a oportunidade de vê-lo realmente de perto.

Na volta até nossos quartos, houve um estrondo vindo de fora. Corremos até a varanda, onde vários hóspedes estavam se acumulando para olhar a fumaça esverdeada que emanava de cima da montanha. Naquele momento, percebemos se tratar de algum vilão. Enquanto os policiais e outros heróis evacuariam a área, eu e Shoto nos prontificamos a subir e ver o que estava acontecendo.

Houve uma batalha, mas as condições do clima eram bem ruins. No momento em que achei que fossemos vencer e levar o vilão para ser interrogado, a neve começou a desabar sob nossos pés. Shoto conseguiu estabilizar nossa queda o suficiente de maneira que apenas nós dois sobrevivemos dentro de uma caverna completamente soterrada. Teríamos que passar a noite ali até que alguém viesse nos buscar, pois era muito perigoso tentar qualquer coisa naquela situação.

O frio era tão intenso que, quando a adrenalina diminuiu, comecei a tremer intensamente e parar de sentir as pontas dos dedos. Se estivesse sozinho, provavelmente teria morrido naquele lugar. Shoto ofereceu calor e eu aceitei sem questionar. Ele se sentou do meu lado e passou o braço por trás do meu ombro e o desespero por me aquecer fez com que eu praticamente grudasse toda a lateral do meu corpo na dele, deitando a cabeça em seu peito.

Não sei quanto tempo se passou conosco naquela posição. Eu estava ficando com sono quando o escutei murmurar baixinho alguma coisa. Levantei a cabeça curioso e Shoto me explicou que se dormíssemos, ambos poderíamos morrer. Então decidimos conversar sobre alguma coisa e, de maneira impressionante, o assunto fluiu muito bem.

Não sei em que ponto aconteceu, lembro do cheiro de suor misturado ao frescor do banho de mais cedo e de como eu o puxava para perto de mim instintivamente para me manter quente. Nós nos beijamos. E não paramos mais até o resgate chegar no dia seguinte.”

Dias de NamoradosOnde histórias criam vida. Descubra agora