Um - Niven

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Roman e Ana Laura trouxeram as crianças em uma visita no fim de semana. Admito que seja estranho que apesar de eu nunca ter me casado com o irmão caçula dele, mesmo que quatro anos tenham se passado desde que tudo aconteceu, ainda nos tratemos como uma família.

Ruan, de seis anos, e Raíssa, de quatro, que são frutos do primeiro casamento do meu cunhado, ainda me chamam de tia, como se de fato compartilhássemos este laço. Conheço-os desde que nasceram e a primeira esposa de Roman foi a única delas com quem realmente tive alguma amizade. Os dois eram recém-casados na época do acidente e com tudo o que aconteceu, todas aquelas emoções afloradas acabaram fazendo com que nos tornássemos uma espécie de cúmplices de luto. Então não posso considerar ruim que nos tratemos como um tipo de família.

Não quando há no mundo essas duas pequenas pessoinhas com o sangue de Sam correndo nas veias.

Enquanto conversamos, mamãe prepara sanduiches perfeitamente simétricos: montados com pão integral caseiro, do tipo em que se encontra mais gergelim do que trigo, e os preenche com o queijo que produzimos na fazenda. Eu me contento em não cozinhar. Bem, por hoje, pelo menos.

Ainda que essa seja a paixão revelada que me fez sobreviver aos últimos anos que poderiam ter facilmente sido os piores da minha vida e acabaram, também, sendo os mesmos de uma tão sonhada universidade que finalmente consegui cursar.

Mas o que era de se esperar? Não posso simplesmente ficar aqui e atuar por horas inteiras, simulando confiança, fingindo que não estou ansiosa. Digo isso porque os dois, o irmão de Sam e sua noiva, são empresários e, há alguns meses, entraram em nova sociedade.

Uma sociedade que, por assim dizer, bastante me interessa.

− Então, Jaques – Roman firma a voz de repente, como costuma fazer quando quer parecer responsável, e usa do tom forçado para se dirigir ao papai, enquanto estamos todos acomodados na mesa da tradicional sala de jantar da família Coelho.

Conserto a postura.

– Soube que seu sobrinho Saul está de mudança para a fazenda na semana que vem.

Ele me olha de soslaio enquanto diz essas palavras, provavelmente para avaliar minha reação. Um olhar enviesado que entrega sua insegurança sobre o que se passa em minha mente. Sua total ignorância sobre os mais profundos anseios do meu coração. Pode ser por causa daquela coisa de herança, e admito que isso faz até bastante sentido.

No entanto, embora eu saiba do valor sentimental que essas terras têm para o meu pai, simplesmente não levo jeito para ser fazendeira. É um fato. Apenas aspiro seguir meu próprio caminho e, felizmente, hoje meus pais aceitam essa realidade. Ainda que tenha sido preciso que eu literalmente caísse de um precipício para que isso acontecesse.

− Ah, Saul é um presente dos céus para este velho aqui. Imagine que meu único sobrinho seja apaixonado por gado... e por queijo. Ele tem passado algumas temporadas conosco e agora vai ficar de vez.

− Ele não é muito novo? – Ana Laura, a noiva eufórica, se intromete e, eu juro, sinto-me muitíssimo tentada a limpar um pouco do barro encrustado em minha bota há algumas semanas ao pisotear, despretensiosamente, o precioso Louboutin que por algum motivo avaliou apropriado para usar em uma fazenda.

− Completa dezoito anos em três semanas – meu velho responde, para meu alívio, abocanhando um pedaço generoso de pão. – E eu não pretendo morrer agora, filha! Tenho tempo de sobra para ensiná-lo.

− A gente nunca sabe... − Roman divaga, pesaroso, e todos permanecemos calados por longos e constrangedores minutos. – Ah, droga! Desculpem por isso. Não foi minha intenção causar nenhum mal-estar.

Em Todos os SentidosOnde histórias criam vida. Descubra agora