Capítulo 5 - Gênesis dos Benoite

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- Estou vendo que essa poltrona virou sua.

- Se preferir, eu também posso dormir abraçado com você. Onde você conseguiu as roupas? – ele nem me olhava. Continuava lendo um dos meus livros, mesmo conversando comigo.

- Agradeço a oferta, Miguel, mas não. Vincent pegou umas roupas de ginástica da mãe para me emprestar. Você tem algo contra ele, não tem?

- Não. Mas não creio que ele seja a pessoa certa para você.

Seus olhos adquiriram aquele tom forte de azul, e eu preferi desviar meu olhar, antes que ele conseguisse dominar meus pensamentos.

- Hm... Certo. E por que você acha isso, meu anjo da guarda? Mais uma força maligna me perseguindo? Que eu saiba você conseguiu me localizar quando eu estava perto dele.

- Não. Ele só não vai aguentar tudo que a aguarda. Ele não tem força suficiente para isso.

- Ah, claro. Desculpe-me. Eu esqueci que estou enfrentando o céu, a terra e o inferno. Por falar em inferno, temos que conversar sobre um ser que ressuscitou de lá.

- Ele não ressuscitou, Angelique.

- Mas ele estava lá, não?

- Você quer saber de tudo, não é? Então terá o que precisa. Leia isso. – E me jogou o livro que estava lendo. Era um livro que há muito estava em minha prateleira. Ficara famoso em minha família, por ter sido baseado nos escritos de uma de minhas ancestrais, Jacqueline Benoite, e fora publicado por meu avô.

- Mas esse livro é uma ficção. Eu já comecei a lê-lo, quando tinha, sei lá, uns 12 anos. Mas desisti. A história não me agradava muito.

- Lembra-se de quando eu falei que você deveria ler mais o que sua família escrevia? Achei que um dia você chegaria a essa conclusão sozinha. Bem... Eu posso resumi-lo para você, mas creio que sempre é melhor saber pela fonte original. Não é longo. Até amanhã você conseguirá terminá-lo. Se você me der licença, tenho um encontro marcado com os anjos superiores. Parece que a sua situação ontem os levou a uma reunião de emergência. Não se preocupe, pois a casa está protegida.

Ele criou asas e partiu. Eu tinha apenas algumas horas para concluir minha missão e descobrir qual a verdadeira herança de meu sobrenome.

*

 

 

A fortuna dos anjos

Gostaria de dedicar este relato a todos os que virão depois de mim, sejam homens ou mulheres, pedindo-lhes, desde já, perdão pela carga que os farei carregar. Conto-lhes a minha história, não porque me orgulhe dela, mas porque vejo ser necessário dar-lhes satisfação a respeito dos mistérios que nos envolvem a partir deste instante. E em meu túmulo peço para que coloquem a frase com que inicio meu livro: Entre os anjos eternamente, como uma rosa entre os espinhos.

Com amor,

Jacqueline Benoite

Fevereiro de 1812.

[...] A primeira vez que o vi, não deveria tê-lo visto. Ele não pretendia ser visto. Ainda não havia sido, porém, alertado da minha capacidade. Eu estava sentada em frente ao túmulo de minha mãe, pedindo-lhe todos os bens que o Céu poderia conceder. Sentia-me só com sua partida. Minhas irmãs não me compreendiam. Sempre achavam que eu exagerava em minhas preces, ou que inventava meus receios. Era ignorada, sendo a terceira de cinco. Meu pai tentara de tudo para me colocar no caminho certo, mas eu não aceitava. E, com a partida de minha mãe, não restava ninguém que me protegesse.

Asas da EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora