Quando eu era pequena, sempre que fazia algo de errado – ou que pensasse ser errado – passava pelas portas da escola, durante uma semana inteira, de cabeça abaixada, como se eu não fosse digna de encarar para as faces alheias. Escondia-me sob meus fios grossos e escuros e tentava passar despercebida. Hoje não. Hoje eu mudei.
Hoje eu entrei na escola de cabeça erguida, embora, no fundo, rezasse para não encontrar alguém conhecido. Eu sabia que, se visse um rosto familiar, minha confiança desmoronaria em questão de segundos. Ray, Brites... Nem mesmo Vince me daria conforto. Se ele não poderia fazer isso, ninquém mais poderia.
O tempo em que ficamos separados e os acontecimentos recentes me fizeram ver o quão certo parece ser que estejamos juntos, apesar de tudo. Mesmo que tenhamos errado de todas as maneiras possíveis, sei que é o certo. Nós temos sentimentos um pelo outro e nada nos impede. Não é justo que tenhamos que arcar com escolhas do passado, escolhas muitas vezes que sequer foram nossas.
Ainda assim, algumas escolhas foram, sim, minhas, e estar com ele significa confessar os erros que cometi e que venho cometendo repetidamente. E não sei se estou preparada para isso, pelo menos não ainda. Eu precisava superar tudo e arranjar um meio de consertar meus estragos. Eu jamais seria perfeita, mas tinha o dever de evitar machucar as pessoas.
Continuei andando, sem olhar para os lados, até que me imaginei sozinha naquele corredor, fingindo que nada se passava na minha vida. Eu era apenas uma garota comum, sem relações com anjos bons ou ruins, cometendo apenas os erros de uma garota comum. Não! Nem os erros comuns eu estava cometendo! Eu só... Estava vivendo. Eu era uma garota que fora apaixonada por alguém, que se desencatara, que sofrera uma perda, que se apaixonara novamente, que continuara com a vida. E essa garota que eu era tentava manter uma vida como qualquer outra e ir à escola todos os dias.
Miguel não estava comigo, pois lhe havia pedido. Não queria mais sussurros sobre minha vida, fora o que eulhe dissera. Talvez existisse uma vontade de ficar sozinha, embora eu não admitisse. Ao mesmo tempo em que me transmitia segurança, sua presença me sufocava. Eu sabia que era apenas minha teimosia e arrogância. Eu ainda tinha que trabalhar este meu lado, e entender que ele estava aqui para me proteger de uma vida que não assumi. Para tanto, ele me observava de longe, conciliando o meu e o seu desejo.
“Você quer que eu vá com você?”
“Não! Eu já estou com problemas demais para ser escoltada por você. Não quero um guarda-costas a cada passo que dou.” Arrependi-me por ser tão rude. Precisava controlar meus impulsos.
“Como queira. Mas eu vou ficar de olho para o caso de você querer sair sorrateiramente da escola." Eu revirei os olhos, enquanto ele começava a andar à minha frente.
Eu sorri ao pensar em Miguel. Nossas discussões eram sempre tolas, o que me fazia leva-lo meno a sério. Éramos tão diferentes, que, constantemente irritava-me com ele. Apesar de tudo, era bom saber que eu podia contar com ele.
- Você está sorrindo por me ver? - uma voz baixa se pronunciou.
Meus pelos ficaram arrepiados ao ouvir o sussurro tão perto do meu pescoço. Pude sentir em minha pele a umidade dos lábios enquanto eles movimentavam para dar forma às palavras. Uma sensação gélida e não surpreendente. Eu conhecia aquela sensação, eu conhecia aquela voz. E, principalmente agora, nada nem ninguém poderia me dizer que o que eu pensava era errado. Ele estava ali. De alguma forma eles o haviam ressuscitado.
Parei no meio do corredor, atrapalhando todos os que estavam com pressa de chegar às suas salas. Ainda que eu soubesse que não precisava me virar para descobrir que ele não estaria ali, eu me virei em um ataque de desespero. Olhava para os lado do corredor. Não havia ninguém. as pessoas passavam por mim, olhando com pena, irritação ou uma pura incompreensão do que se passava. Onde estava Miguel nessas horas?
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Asas da Escuridão
FantasyEles estavam numa festa onde tudo parecia normal. Até que ele fez o impensado. Angelique Benoite nunca se iludiu acreditando que poderia esquecer a noite em que seu namorado morreu. Não, ela jamais conseguiria apagar a sua parcela de culpa. Ela podi...