UM CONVITE

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Ela me viu

Ela me viu

Ela me viu

Droga!

Mil e um pensamentos inundaram a minha mente ao mesmo tempo, de maneira frenética.

A garota me viu, o que eu faço? Corro? Espero?

Talvez ela não tivesse me visto, pode ser que ela estivesse apenas checando ao redor para se certificar de que estavam sozinhos. A essa distância não tem como ter certeza.

Os olhos dela ainda estavam vidrados quando ela moveu os lábios, falando algo inaudível para mim. Todos os outros se viraram na minha direção, confirmando minhas suspeitas.

Eu havia sido descoberta.

Rapidamente me atirei ao chão, avançando o mais rápido que pude para longe dali e esperando não ser seguida por nenhum deles. Não queria imaginar o que fariam comigo se me apanhassem, eu estava obviamente os espreitando e eles iriam querer saber o motivo.
Não precisei olhar para trás para saber que um deles corria atrás de mim, eu conseguia escutar seus passos pesados se aproximando cada vez mais, como bate-estacas caindo sobre a terra, só que dezenas de vezes por segundos. Provavelmente o bruta monte de dois metros.

Eu era rápida, mas ele era ainda mais. Antes que pudesse pensar em alguma estratégia para tirá-lo do meu encalço, senti uma de suas mãos me alcançando. Com um simples movimento, fui lançada a uma distância de vários metros, tendo meu corpo freado por uma das grandes árvores de pinheiro.

Tentei me levantar a tempo de conseguir escalar a árvore para fugir de seu ataque, mas o homem impediu que eu pudesse ao menos me mover do lugar, me agarrando pelo pescoço e suspendendo-me no ar. Ele havia se aproximado de mim com tanta velocidade que mal pude me dar conta de sua chegada, para um vampiro daquele tamanho ele é rápido demais.

Tive certeza que ele me mataria ali mesmo, e ele poderia, com a facilidade com que se esmaga uma formiga. Mas ao invés disso, ele me agarrou pelos cabelos e me arrastou como um saco de batatas até o descampado, atirando-me ao chão no qual aterrissei com um baque surdo, diante da garota com a capa. Ela me encarou sadicamente, com um sorriso sinistro no canto dos lábios.

- É muito feio escutar a conversa dos outros, onde estão seus modos? – Sua voz era mansa e medonha ao mesmo tempo, ela tinha uma espécie de doçura diabólica nos olhos. Assim que voltei meu olhar para seu rosto, a feição dela fechou e suas pupilas ganharam um tom avermelhado intenso. Tudo que pude ouvir foi sua afável voz dizendo “dor”, e então tudo virou um borrão.

Fui consumida por uma sensação dolorosa tão aguda que perdi todos os sentidos e o controle sobre meu corpo. Eu me contorcia em agonia no chão enquanto meus dentes cerravam em resposta ao grande esforço que eu fazia para tentar suportar a dor.

Aquela só não era uma tortura pior do que a que senti quando me transformei, mas chegava perto. O veneno causava uma sensação acesa, como se algo estivesse queimando dentro do corpo, essa dor, no entanto, era gélida e paralisante.

Por cima do zumbido incessante que atingia meus ouvidos, percebi uma voz masculina tentando convencer a garota a interromper a sessão de tortura.

- Não precisa matá-la.

- Eu faço! – Agora uma voz feminina falava, tinha um tom de urgência. – Eu ajudo a encontrá-lo, apenas deixe-a viver.

- Aro não se importa de que maneira vão achá-lo, apenas que o achem. – O homem argumentou novamente.

A dor cessou.

Levei alguns segundos para me recuperar e voltar a sentir o resto de meu corpo, ainda deitada ao chão.

- Ela ainda pode ser um perigo, parece ser uma novata, o que farão com ela?

- Podemos ensiná-la, levaremos ela conosco e a ensinaremos. – Ele parecia obstinado a salvar minha vida. Olhando-o de relance, conclui que ele era o patriarca da família.

- Mais um animal de estimação Carlisle? Você não se cansa? – O garoto ao lado da loira perguntou, sarcástico. O homem não se deu o trabalho de respondê-lo.

-Temos um acordo, Jane? – A Cullen indagou.

Ela tomou alguns segundos para analisar a oferta, acabando por ceder.

- Certo! A vida da garota por suas visões. Espero que nos contate assim que tiver o que precisamos, Aro saberá se tentar nos enganar.

Com a sutil ameaça, o trio se virou de costas e caminharam rumo à floresta, desaparecendo por entre o bosque.

Carlisle estendeu-me a mão, oferecendo ajuda para que eu pudesse me recompor. Percebi que a garota ao seu lado não tirava os olhos de mim em momento algum. Ele a lançou um olhar indagador, como se estivesse perguntando algo, ao que ela inclinou ligeiramente a cabeça em um sinal positivo, olhando para o homem e rapidamente voltando seu olhar a mim.

- Você está bem, garota? – Ele perguntou, olhando em meus olhos com certa preocupação.

Eu assenti, já de pé, evitando ao máximo fazer contato visual com ambos. Eu não fazia de propósito, não queria que desconfiassem da minha antipatia pela família, mas algo não me permitia olhá-los nos olhos e fingir neutralidade em relação a eles.

- Eu me chamo Carlisle, essa aqui é minha filha, Alice.

Observando-a mais atentamente, notei o tom de âmbar que tomava conta de suas pupilas dilatadas, enquanto ela direcionava seu olhar atento a mim, como se tentasse se lembrar de alguma coisa.

Já havíamos nos encontrado em alguma ocasião? Duvido, eu teria me lembrado.

- Eu sou Agnes. Eu...vocês salvaram minha vida, obrigada! – Mordi meus lábios após proferir a frase. Há muito eu já não tinha mais uma vida para ser salva, e aquilo entrava na conta dos Cullen.

- Os Volturi estão promovendo uma verdadeira chacina nos arredores, teve sorte de sair viva. Você vem de onde, Agnes?

Eu não tinha preparado uma história que justificasse minha presença ali, não esperava chegar a esse ponto. Tudo que eu tinha planejado era arrancar a cabeça de alguém e cair fora. Merda.

- Alasca. – Respondi de maneira engessada. – Estava no meu caminho para Portland.

- Uma parte de nossa família vem do Alasca. – O homem realmente queria conversar. – Talvez os tenha conhecido.

Era comum que vampiros tendessem a conhecer os clãs que vivem ao seu redor. Nossa população não era muito densa, em comparação com a dos humanos, nos espalhávamos ao redor do planeta em porções escassas, então era importante formar alianças sempre que possível. Por isso compreendi a pergunta de Carlisle e tentei escapar dela com o mínimo de suspeitas.

- Não é provável, não sou muito sociável.

- Quantos anos? – Alice questionou.

- Desculpe? Ah sim, dois, tenho dois anos. – Menti. Era mais seguro esconder qualquer mínimo detalhe que pudesse me ligar ao real motivo de estar aqui, e minha data de ‘renascimento’ poderia ser uma boa pista. 

- Nós vivemos perto daqui, com nossa família, você pode vir conosco, se quiser.

- O que exatamente vocês querem comigo?

Aquele excesso de generosidade me pareceu suspeito, temia que soubessem de minha identidade e aquilo tudo fizesse parte de uma armadilha. Porém se esse fosse o caso, por que não me matavam ali mesmo?

- Te ensinar nosso estilo de vida.

- E por que eu iria querer viver sob suas condições?

- Talvez você não queira, é uma escolha sua. Mas saiba que existe outro modo de viver essa vida, o que nós fazemos é oferecer essa possibilidade. – Ele falava com um tom sincero e tranquilo, o que ajudava no processo de persuasão, sem dúvidas. Mas o ponto chave que me convencia a aceitar sua proposta era um só, a chance de me infiltrar naquela família e destruí-la por dentro.

Nem se eu tivesse passado décadas planejando uma abordagem para minha vingança, as coisas teriam se desdobrado de maneira tão perfeita.

Afinal de contas, eu não tinha nada a perder.

- Está certo! Vou com vocês.

Alice me lançou mais um olhar, dessa vez ela tinha um sorriso gentil no rosto, como se o meu aceite lhe fizesse feliz de alguma forma. Que garota burra. Aliás os dois eram bem estúpidos em acolher uma completa estranha em seu lar, ainda mais sabendo que eu os espiava.

Conforme nos aproximávamos do carro, eu ia caindo em mim. Talvez eu estivesse caminhando direto para uma emboscada, talvez o leitor de mentes houvesse me detectado espreitando sua família e tudo aquilo fosse um plano para arrancar algumas informações de mim e me matar depois, sem a menor chance de defesa. Por qual outro motivo eles estariam me recebendo em sua casa dessa forma?

Diversas possibilidades agora flutuavam em minha mente enquanto eu avançava em direção ao veículo dos Cullen, não conseguindo me fazer parar. Era aquilo que eu queria, certo? Por aquilo eu havia esperado por tantos anos, me vingar e depois colocar um fim a esse tormento. Então não importa de que maneira isso aconteça, apenas que aconteça, não há mais escapatória de qualquer jeito.

Se eu correr pela direita, o homem me alcança em menos de um minuto, pela esquerda é garota que agarra meus braços mais rápido do que eu possa ter chance para me livrar. Qualquer tentativa de avançar ou retroceder pode facilmente ser impedida pelos dois e minha cabeça será arrancada em dois tempos, como a rolha de uma garra de champanhe recém aberta.

Alice destrancou o automóvel e entrou no lado do motorista, enquanto Carlisle e eu nos acomodávamos nos assentos do passageiro e no traseiro, respectivamente.

Enquanto ela dava partida, eu tentava me concentrar em meus próprios pensamentos, sabendo que provavelmente estava indo de encontro ao meu fim. E se isso acontecesse, ao menos algum deles viria comigo.

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