VISÕES

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- Do que estão falando? – Perguntei tentando disfarçar a tensão que se formava em meus músculos novamente. Era mentalmente exaustivo ter meu corpo e psicológico se preparando para o ataque toda vez que eu previa alguma ameaça.

- Eu vi você.

- Me viu? Quando?

- Nas minhas visões, vi que chegaria, só não sabia quando ou como. E aqui está você.

- Alice pode prever o futuro, suas visões variam de acordo com as decisões tomadas por cada um. – Explicou Esme.

Eu não conseguia falar mais nada. Pensei em perguntar se ela poderia saber o motivo de minha ‘visita’, mas isso me entregaria muito fácil. Talvez ela não soubesse de nada além daquilo. De qualquer maneira, era uma droga ser pega de surpresa assim. Uma vampira que pode prever o futuro, Lino poderia ter me avisado dessa também, teria sido bom estar ciente.

Talvez uma pergunta mais generalista não fosse tão suspeita.

- Isso é incrível. Então...você previu mais alguma coisa para o meu futuro?

- Não, não consigo enxergar mais nada. Isso não quer dizer que você não tenha um futuro, é claro! Só que ainda não fez uma escolha, talvez. – Ela pareceu incerta.

Isso é estranho, minha escolha já estava muito bem tomada, nenhuma nesga de indecisão passava pela minha mente. Talvez suas visões apenas não sejam tão precisas assim, senhorita Cullen.

- Agnes está aqui pois assumimos o compromisso de ensiná-la a viver como nós, de maneira discreta e debaixo dos radares. – Carlisle se voltou a mim. – Como você sabe, aqueles com quem encontrou na floresta fazem parte do clã Volturi, deve saber de quem se tratam. – Eu assenti. – Estão nos arredores caçando vampiros recém-nascidos, uma horda deles, na verdade. Um grande grupo tem feito estragos na cidade, saques, assassinatos, uma verdadeira bagunça, eles estão aqui para se certificar de que a desordem seja contida e evitar uma ameaça à nossa espécie.

-  E por que vocês mesmos não fazem isso, já que são o clã mais próximo? – Desafiei, recebendo alguns olhares negativos.

- Essa não é nossa luta, nossa família evita confrontos e violência desnecessária.

Besteira! Pensei. Se isso é algo que ameaça sua existência, o confronto é mais do que necessário. É isso que somos, seres violentos, nos alimentamos da violência, não havia como negar nossa própria natureza.

- É assim que nos estabelecemos nos lugares por tanto tempo, sendo pacíficos. – O tom de Esme era tão dócil que me causava ânsia.

- Se misturam aos humanos?

- Sim!

- E como sobrevivem? Como se alimentam?

- Cultivamos uma dieta vegetariana, bem...para os nossos termos. Caçamos animais somente. – Eu gargalharia se não houvesse uma plateia para me assistir naquele momento.

Vegetarianos. Que piada! Os seres mais mortais do mundo caçando coelhos na floresta para poder viver em harmonia com os mortais. Se eu já não os odiasse, passaria a odiar agora.

Era isso que os Cullen queriam me ensinar? Queriam me transformar em um animalzinho adestrado e achavam que estavam me fazendo um favor? Tive que me esforçar para manter uma expressão neutra diante daquele absurdo.

De fato, eu não era muito apegada à vida vampírica, aquela condição sobre humana não me atraía em quase nada. Mas um dos pouquíssimos prazeres que eu tinha naquela não vida era o de absorver o sangue humano com minhas presas.

Não o fato de matar em si, eu não chegava a ser sádica a esse ponto. Mas o gosto e cheiro da seiva humana eram bons demais para que eu ousasse passar uma eternidade inteira sem prová-los. Nada no mundo valeria tanto a pena a ponto de abrir mão disso.

Carlisle me avisou que Emmett e Jasper sairiam para caçar esta noite. Por conta dos constantes ataques na floresta, eles estavam buscando alimento um pouco longe dali, na Floresta Tilamoke. Apesar de contrariada, acabei concordando em ir com eles. Nunca havia experimentado sangue não humano, mas precisava me alimentar mesmo assim, e também provar para eles que eu poderia ser uma boa aprendiz, isso me faria ganhar mais algum tempo.

Rosalie me guiou até um dos cômodos, entregando-me uma muda de roupa, como instruíra Esme. Minha jaqueta já estava molhada e fedida, havia algum tempo que eu simplesmente não me importava mais com essas coisas.

Olhando ao redor percebi que eu estava no que parecia já ter sido o quarto de alguém. Alguns itens pessoais demais decoravam as estantes para ser um espaço comum. Vi ali uma chance de me informar sobre o paradeiro do 5° filho dos Cullen.

- Seu quarto?

Rosalie riu.

- Acha que eu cederia meu quarto pra você ficar?

- Acho que não. De algum dos seus irmãos, talvez?

Ela me encarou impaciente.

- De alguém que não o utiliza mais. – Disse, seca, antes de sair do quarto.

Talvez ele houvesse ido embora com a esposa, ou, se eu estivesse com muita sorte, ele poderia estar morto e metade de minhas preocupações desapareceriam. Quem sabe um confronto direto com os Volturi teria sido a causa de seu assassinato, ou um dos vampiros arruaceiros teria o matado. Recém-nascidos são realmente muito fortes.

Enquanto imaginava mil e um cenários para a morte do Cullen, terminava de vestir as roupas que Rosalie me emprestara em toda sua hospitalidade artificial. Uma calça de moletom e um suéter com zíper, arrisco dizer que eram as peças mais acinzentadas que ela pôde encontrar no fundo de seu closet. Não eram as roupas que eu normalmente usaria se dependesse de minha escolha, mas eram confortáveis e estavam secas, então eu me dava por satisfeita.

Sentei-me no banco estofado no canto do quarto, calçando o tênis simples deixado ali para mim. O processo de enlaçar os cadarços normalmente era rápido, porém exigia o mínimo de concentração.

Eu fazia um nó inicial, depois dobrava um lado do fio, passaria a seguir todas as regras impostas pelos Cullen, sem questionar, enquanto passava a outra extremidade em volta dessa dobra, ganharia sua confiança aos poucos, me estabelecendo cada vez mais na casa.

Uma vez seguro, eu passava uma extremidade por dentro do semi laço, assim que confiassem o suficiente para abaixar sua guarda eu atacaria, puxando as duas dobraduras em lados opostos formando o laço inteiro.

Atingiria o coração da família, alguém cuja morte impactasse igualmente a todos, com os dois laços prontos, eu admirava o belo trabalho que havia feito naqueles cadarços.

Esme Cullen. Ela seria meu alvo.



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Já passava da meia noite quando Jasper, Emmett e eu saímos pela janela da cozinha, nos esgueirando pelos galhos das árvores até atingirmos o chão e dispararmos em direção contrária ao Parque Nacional de Olympic. A floresta de Tilamoke ficava nas proximidades de Portland, e era onde os Cullen estavam procurando sua alimentação nas últimas semanas.

Os dois conheciam o mapa da região como a palma da mão, e me guiavam pela floresta densa, sempre garantindo que nossos movimentos permanecessem imperceptíveis aos olhos humanos.

Chegamos no nosso destino em poucos minutos. O lugar não era tão longe assim de Forks, pelo menos para quem consegue atingir a nossa velocidade, mas eles estavam seguros de que era distante o suficiente do conflito entre os Volturi e os recém-nascidos.

Espreitamos no alto das árvores por um tempo, à espera da aparição de um animal grande o suficiente, capaz de dar conta de nossa sede. Emmett revelara em um tom brincalhão que nem se dava ao trabalho de atacar um bicho menor do que um urso, Jasper não havia alterado seu semblante desde que saímos da casa.

Minha garganta era cortada pela sede, mas minha expressão continuava tranquila. Precisava que meus atos condissessem com minhas afirmações e, com toda certeza, ter ficado dias na floresta à espreita, sem poder caçar, não fora uma delas.

Finalmente o jantar havia chegado. De longe, Emmett avistara um lince, não era o urso pelo qual esperava, mas teria de servir. Primeiro ele passou silenciosamente até a árvore mais próxima do animal, e rapidamente saltou em cima ao bicho, não dando nenhuma chance para o coitado fugir de seu ataque.

O homem ainda se alimentava de sua presa, quando Jasper detectou um movimento a oeste de onde estávamos. Com uma leve inclinada na cabeça, ele pareceu farejar o cheiro, eu também sentia, era diferente do aroma de humanos, este era mais ácido e até enjoativo. O cheiro ainda me atraia, mas não era nada comparado ao perfume humano.

Jasper saltou da árvore, aterrissando na ponta dos pés, sem fazer o mínimo barulho. Na habitual velocidade sobre-humana, se aproximou do grupo de veados que mordiscavam algumas gramíneas nas raízes das árvores. Ele já estava á uma distância considerável quando ouvimos vozes ao sul, há alguns metros de nós.

Todos nós congelamos e instintivamente seguimos as vozes com nossa visão, ao mesmo tempo. Eram um grupo de cerca de 5 homens, provavelmente caçadores, falavam alto e pela opaca luz proporcionada pelas lanternas de alguns, pude perceber que carregavam um homem que julguei estar ferido de alguma forma.

Não precisei imaginar por muito tempo. Uma leve brisa vinda de trás do grupo de homens, me encontrou no alto daquela árvore, viajando até minhas narinas, e pude confirmar que sim, ele estava ferido. Era sangue fresco, o cheiro adocicado invadia meus sentidos enquanto eu me permitia inspirar fundo aquele aroma de que tanto sentia falta.

Minha garganta se estreitou, eu finquei minhas unhas nos galhos da árvore e me preparei para mergulhar no ar, avançar contra aqueles homens e trucidar um por um, até sobrar somente aquele cujo sangue jorrava para fora do corpo, e então dar a ele uma morte rápida, talvez eu fizesse o favor de lhe quebrar o pescoço antes, para que sofresse menos.

Não precisei ter olhos nas costas para saber o que acontecia atrás de mim. Aliás, podia ouvir os passos rápidos se aproximando, Emmett e Jasper já deveriam estar no seu caminho para impedir meu ataque, então tratei de me apressar. Me impulsionando com os pés, atirei-me ao chão e lancei meu corpo à frente, meus olhos estavam fixos no grupo a alguns metros adiante.

Avancei alguns passos até ser jogada ao chão com violência por Emmett, que me ultrapassou em questão de segundos e acertou meu estômago com o cotovelo. O forte golpe me atirou com um baque surdo na terra úmida, fazendo minha cabeça girar por alguns instantes.

Rápida fora a queda, mais rápida a recuperação. Erguendo as pernas, me impulsionei para cima novamente, somente para ser atirada ao chão mais uma vez, dessa vez por Jasper. O loiro agarrou meu pescoço com uma das mãos e depositou todo o peso de seu corpo sobre o meu, caindo por cima de mim e prendendo-me sobre a terra.

Ligeiro, ele passou a mão do meu pescoço para meu nariz, prendendo minha respiração enquanto ele fazia isso consigo mesmo, utilizando a mão livre. Ele era bem mais pesado do que eu imaginava.

Seus olhos ganharam um tom mais escuros, não chegavam a estar vermelhos – Como eu tinha certeza que era aparência de minha íris naquele momento. -, mas estavam de um dourado profundo. Percebi isso pois seus olhos expressavam desespero, estavam arregalados e se voltavam diretamente para mim.

Qual era o problema daqueles caras? Estávamos no meio de uma floresta, ninguém nos veria ali, eram só aqueles idiotas e nós três. Por que não me deixavam fazer o que tinha que fazer e depois cuidar do estrago? Eu era boa nisso.

- Consegue segurar ela aqui? Vou tentar afastar eles pra longe mais rápido. – Emmett perguntou, de pé, ao que o irmão acenou com a cabeça de maneira positiva, freneticamente, sem tirar seus grandes olhos de mim.

Ele disparou em direção ao grupo. Sabe lá qual era seu plano, talvez chamar a atenção deles para um outro ponto com barulho. Seja o que for, estava dando certo, pois o cheiro se dissipava mais rapidamente a cada segundo que passava. Ainda assim, o desejo feroz me consumia, a lembrança do cheiro intoxicante do sangue daquele homem fazia minha cabeça latejar.

Como eles conseguiam resistir àquilo? Para mim era impossível sequer imaginar o esforço tremendo que devia ser desprendido para rejeitar o cheiro de sangue fresco.

Emmett retornou nos apressando para corremos para longe dali o quanto antes. Pelo seu olhar, ele não parecia confiar muito mais no autocontrole do irmão do que confiava no meu. Durante o percurso, ambos me mantiveram à frente, para se certificar de que eu não daria meia volta.

Entramos novamente na casa, dessa vez pela porta da frente. Jasper parecia mal humorado a julgar pela forma que adentrou a sala e logo se isolou de todos. Mais tarde Carlisle se desculpou comigo, por achar que era uma área livre de atividade humana – Ao menos naquele horário da madrugada - julgou que estaríamos seguros o suficiente para caçar, somente os três.

Na verdade, eu estava furiosa por ter sido impedida de saciar minha sede, ainda mais por um motivo que considerava banal e talvez minha expressão entregasse um pouco de minha frustração, mas amenizei a situação e sugeri que tentássemos outra vez no dia seguinte.

A manhã chegou e eu me vi compelida na tarefa de encontrar Jasper e iniciar uma conversa com ele sobre os acontecimentos de mais cedo. Era parte de minha estratégia manter um registro das opiniões de todos ali a meu respeito e até então, pelo que parecia, sua impressão era a mais negativa.

O encontrei nos fundos da casa, talhando um objeto de madeira. Seus gestos pareciam duros e sua expressão fechada, inalterada em relação a da noite anterior.

- Incomodo? – Perguntei, me aproximando.

O homem continuou focado em sua tarefa, sem reagir à minha presença.

- É um presente para Alice? – Tentei iniciar um diálogo amigável.

- O que você quer? – Indagou, seco, interrompendo bruscamente sua atividade.

- Você e Emmett, ontem...seu controle...nunca tinha visto algo assim. Acha que consegue me ajudar com isso? – Menti, não me via como um monstro por atender aos meus instintos, mas precisava ter a confiança dele de qualquer forma. Talvez esse fosse o jeito.

Ele riu, desviando o olhar.

- Não, acho que não posso não.

- Não pode ou não quer?

Ele se virou para mim, consternado.

- Isso não é algo que pode ser ensinado de um dia para o outro. Levam décadas para se chegar em um ponto em que se possa ter o controle sobre o próprio instinto. E mesmo se isso pudesse ser ensinado a você, eu não seria mais indicado para isso.

Décadas. Era isso que Carlisle tinha em mente para mim? Me manter por anos naquela casa até me tornar um deles?

- Se eu cometer algum erro, eles não serão piedosos. – Jasper concordou silenciosamente, parecendo saber de quem eu falava. – Então me ensine como lutar contra eles.

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