A Mãe

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Praguejava em voz alta. Permitiu-se a deselegância de dizer palavras de baixo calão aos quatro ventos. Que mal faria? Não havia uma única pessoa para repreendê-la ou olhar de esguelha.

— Grande festa! — gritou, aborrecida.

A manhã de domingo, até então, rendeu-lhe apenas estresse. Era seu dia. Chegara aos vinte e cinco com uma estabilidade invejável. Tinha um emprego, casa própria e uma moto (que carinhosamente apelidara de Amy, pela potência do motor igualar-se à voz da cantora de mesmo nome). Infelizmente, não tinha amigos decentes. A comemoração de seu aniversário fora um completo fracasso. Nem uma das quarenta pessoas convidadas apareceu.

Havia alugado um belo espaço de festas à céu aberto e justamente no grande dia uma chuva torrencial de verão atingiu sua cidade. Quando o aguaceiro se findou e o céu se abriu, Paula ainda estava à espera. O tempo passou e nada mudou, ela irritou-se. Cogitou ligar para as pessoas e exigir satisfações, mas logo desistiu da ideia. Muita humilhação, pensou. Disse a si mesma que tinham se passado apenas quinze minutos do fim do temporal e as ruas ainda estavam alagadas. Isso mesmo, era essa a justificativa para a ausência. No momento em que a água escoasse, eles viriam.

O chão estava seco. Paula continuava sozinha, caminhando desorientada por entre as cadeiras derrubadas. Lamentando pela decoração destroçada pelo vento, sentou-se ao lado da mesa do bolo. Estava chorando ruidosamente quando seu pai chegou.

— Paulinha, meu anjo! Desculpe o atraso — disse, com ternura. — O que houve? A chuva espantou os convidados? — ela assentiu.

— Ninguém apareceu, pai. Estou esperando há mais de trinta minutos e nada! — entristeceu-se ainda mais depois de verbalizar o acontecido.

— Sinto muito, querida — ele sentia, de fato. Uma ideia surgiu na mente dele, em um estalo. — Sei de uma coisa que te animará.

O pai era um homem bondoso e equilibrado. Somente alguém igual a ele lidaria tão bem com uma filha em pranto. Saíra correndo, em direção ao carro. Tirara algo do banco de trás e, agora, caminhava com cautela, segurando uma enorme caixa de presente com furos.

— Pai! — enxugou as lágrimas, envergonhada e grata pelo gesto dele. — Não precisava! O senhor me ajudou tanto com as despesas...

— Claro que precisava, meu amor. Além disso, tenho certeza de que irá gostar do presente — entregou-lhe a caixa. Algo se mexia dentro dela. Algo vivo.

— Não acredito! — disse, abrindo a tampa e tomando nas mãos um pequenino gato acinzentado, de listras pretas e curiosos olhos verdes. — Ele é a cara do Tom! — gratidão e pesar mesclaram-se com a afirmação.

— Foi exatamente o que pensei. Passei por uma feira de adoção um pouco mais cedo e não pude deixar de reparar nesse camarada. Uma semelhança absurda! Achei que iria lhe alegrar se trouxesse seu fiel escudeiro de volta. Eu... — a fala foi interrompida por um soluço.

— Eu sei, paizinho. Eu sei. Muito obrigada! Não só pelo presente — suspendeu o gato, estendendo aquela coisa minúscula em direção ao pai. — Tom também o agradece. Ele está feliz por ter retornado ao lar — o homem engoliu o choro e sorriu.

Paula acomodou o filhote sobre uma cadeira. Pôs-se a arrumar a bagunça, com a ajuda do pai, recolhendo toalhas molhadas e arranjos de flores espatifados. O vai e vem dos seus passos, o pai arrastando as mesas e o miado baixo do novo Tom eram barulhos agradáveis aos seus ouvidos. Estava bem acompanhada, consolava-se com a ideia de ao menos ter a quem recorrer naquele momento constrangedor.

Contudo, o momento poderia ser melhor se outro alguém estivesse ali. Se sua mãe estivesse ali, Paula não estaria se sentindo tão desgastada. Mas ela não estava. Nunca mais teria a presença da mãe em qualquer aniversário. A mulher havia morrido há treze anos. Desde então, o único familiar próximo era o pai. O pai fizera seu melhor, ela bem sabia disso. Mas não era o mesmo. Pensar no assunto sempre lhe trazia um gosto amargo à boca.

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