O Pai

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Encontraram-na paralisada. Dir-se-ia petrificada. Contudo, não era bem isso. Seus lábios estavam azulados, os olhos enevoados e os dedos escurecidos. Parecia ter sido congelada pelo frio intenso do inverno. Mas era verão e naquele dia, particularmente, o sol resplandecia. A onda de calor que tinha chegado à cidade fora noticiada em todos os telejornais.

Sobre o corpo descorado, o gato malhado repousava em posição de esfinge, mostrando-se vigilante e emitindo um miado sôfrego. O pai enterneceu-se com a cena. "Que bichano mais atencioso! Não saiu de perto dela! Está protegendo minha menina!", pensou.

— Há quem tenha coragem de dizer que gatos são maus. Você está aqui para provar o contrário! — disse em voz alta. O homem tomou o gato no colo e acariciou-o. O bicho ronronou.

— Não disse! Você é mesmo um bom menino, Tom. E vai ficar comigo enquanto a Paula estiver internada. Com sorte, logo os médicos descobrirão o que aconteceu e sua dona irá receber alta. Você ficaria feliz com isso, não é mesmo?

Ouviu-se um miado longo, malicioso até. Mas ele não percebia a maldade naquele som. Muito menos via o olhar cintilante e diabólico da criatura em resposta à inocência do pai de Paula.

O gato lambeu os beiços, salivou, como um animal com o triplo de seu tamanho faria ao observar uma presa. O maldito aguardaria o anoitecer. Era um monstro prudente e não mostraria suas garras antes do tempo.

Pensando na diversão que logo viria, roçou a cabeça no peito do homem que o levava em seus braços, para fora da casa. Sentiu o coração bombeando o sangue que corria pelas veias e artérias dele, inebriou-se com o calor daquele corpo. Satisfez-se com a simples antecipação do momento no qual sugaria toda aquela alma, todo aquele calor humano, para alimentar seu corpo oco.

A fome dele era insaciável. O monstro seria capaz de sugar todas as almas daquela cidade, deixando para trás corpos tão vazios quanto o dele, sem dar-se por satisfeito.

Por ora, a besta consumidora de vida, que se utilizava do poder do reino dos mortos tal qual um dardo envenenado, concentrava-se apenas na próxima vítima. Primeiro a mãe, depois a filha. Por último, o pai. Quão doce seria destruir por completo aquela amigável família!

— Bom garoto. Isso mesmo, bom garoto — repetia o pai.

— Humano estúpido. Será divertido brincar com você — o felino miou em resposta.

Como esperado, o homem não tinha o entendido. Ouvia o reles miado de um gato assustado, o som delicado que escondia o instinto assassino de Palani, o Devorador de Almas.

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