As preferidas de Puppy (1938/1971)

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_Sejam bem vindas senhoras
Vovô, vovó, e o neném!
Sejam bem vindos compadres!
A moça bonita e a feia também.

_Seja bem vindo doutor!
Comadre Candoca,
E compadre Nereu!
O véio cuida das véia
E das novas quem cuida sou eu!

          Palhaços galhofeiros divertiam o público. Gracejando com o povo que se amontoava em filas para garantir o ingresso para a entrada do espetáculo.   Eles davam piruetas e recitavam trovas divertidas. Encantando a todos e levando alegria ao povo simples do interior.
          Crianças driblavam os vigias, tentando com sucesso, pular a grade que separava o circo do povo e correndo em direção à lona colorida. Que mal pregada no chão era facilmente rompida pelos moleques que acabavam assistindo ao espetáculo de graça.
           O circo era um grande evento naquela época. Não havia televisão e atrações como essas eram novidades e traziam vida e movimento para as pequenas cidades.
          A cada apresentação, deleite e delírio. Ingênuas mocinhas sonhavam em serem trapezistas, imaginando-se vestidas em collants cintilantes que brilhavam mais que as estrelas.  Muitas se apaixonavam pelos artistas e não eram poucas as que acabavam fugindo e se integrando à trupe para viverem àquela vida nômade de circo.
          Puppy surgia no picadeiro trazendo uma pesada maleta de caixeiro viajante. De dentro dela surgiam cuecas de bolinhas, meias furadas e sombrinhas coloridas. Era ali também que ele guardava o mapa da morte. O público aplaudia.
          O palhaço assassino fazia mesuras seduzindo donzelas. E diante delas ele escolhia a sua vítima. O esquema sinistro era tramado naquele instante e sob o olhar de fascínio da platéia.
          Uma garotinha ruiva sorria. Seus seios mal haviam acabado de desabrochar. Eram tão pequeninos e delicados feitos botões em flor.
          Depois de meia hora fazendo as habituais palhaçadas, Puppy se despedia da multidão. Sua voz grave entrava no ouvido das mocinhas que ficavam a imaginar como seria o rosto do palhaço debaixo da pesada maquiagem. Sua face era feia, assim como sua alma.
          Antes de deixar o picadeiro ele se virava para a plateia e olhava fixamente nos olhos de sua vítima. Parecia dizer com aquele olhar frio: _Chegou a sua vez!
           A garotinha ruiva com um pacote de pipoca nas mãos acenou sorrindo.
          Só mais um pouco. 
          Ao fim de sua apresentação o palhaço assassino tirava a maquiagem e trocava de roupa, esperando pacientemente o espetáculo terminar. Quando, em seu camarim, ele escutava seu irmão caçula Emílio Freitas se despedir do público, ele sabia que havia chegado o momento. Então se espreitava para fora do circo para fazer o reconhecimento do terreno. Naquela época as ruas eram mal iluminadas e tornava-se fácil cometer um assassinato. A certa distância, Puppy observava onde era a morada da jovem que seria assassinada aquela noite. Afinal o leão Nero tinha fome, estava há dias sem comer. E Catarina, cada vez mais branca, ansiava urgentemente por um copo de sangue jovem.
          Ele a viu entrar em casa. Seus cabelos ruivos iluminaram a noite.
          Quando o relógio soava meia noite, ele pegava a maleta e saía em direção à vítima. A machadinha afiada o acompanhava silenciosa. 
          Ah como era gostoso matar! Só de imaginar as suas mãos frias quebrando pescoços jovens e brancos, ficava excitado. Meu deus era tudo tão fácil! Ele, tal qual um anjo da morte espreitava a casa simples, trancada por insignificante tramela. Adentrava silenciosamente no quarto escuro a procura de sua escolhida.
         A chama da lamparina no canto da sala morrera, sorvendo a última gota de querosene. A fumaça preta que se esvaía do pavio queimado reverenciava a morte. E a morte chegava.
          A vítima não tinha tempo de gritar. Uma mão assustadoramente grande já enlaçava o pescoço num só bote, feito uma jibóia, ansiosa em destilar seu veneno.
          O anjo da morte saía levando a jovem vítima desacordada. Numa clareira qualquer, ele depositava seu corpo seminu, mal coberto por mimosa camisola de algodão. A machadinha afiada reluzia o olhar apavorado da donzela. 
           E o espetáculo só estava começando.
           Primeiro ele tinha de deflorá-la. O grito de dor na primeira estocada. Muitas perdiam sua virgindade na hora da morte. Como era prazeroso ver o sangue da membrana rompida manchar a camisola. Segundos depois já satisfeito, era hora do rotineiro ritual.
           A machadinha reluzente de lâmina afiada, mal tocava a pele do pescoço e o sangue já começava a brotar na pele alva. Era só um pequenino talho para que ele pudesse colher o sangue que seria tomado por Catarina. A donzela ainda vivia. Ela tinha de estar viva. Deleitava-se em ver o terror em seus olhos.
          Depois de guardar o frasco de sangue na maleta, finalmente era chegado o momento da degola e do desmembramento. Mas antes, ele tinha de sentir o gosto doce do sangue. E enquanto a vítima agonizava, ele lambia com sua língua viperina, o sangue vermelho que escorria do pequeno talho aberto na garganta. Tinha gosto de morte. E ele gozava.
          Fim do primeiro ato. Agora era dar cabo no corpo.
          A cabeça já pendente caía de lado com a primeira machadada. Ali mesmo seria enterrada. Ele gostava de marcar o lugar onde aconteciam os assassinatos e caso houvesse um retorno do circo à cidade, ele saudosamente visitava o local. Isso lhe dava certa sensação de poder. Somente ele sabia onde se escondia a franzina boneca ruiva.

          Ao terminar a degola e já de posse da cabeça, ele, com a precisão e rapidez de um açougueiro, cortava em miúdos seu corpo pequeno. Finda a fúnebre tarefa, amontoava os pedaços e os envolvia em asquerosa lona. Seria poucos dias de comida para o leão Nero. A menina era deveras pequena. A cabeça da vítima com seus olhos esbugalhados assistia ao massacre impiedoso de seu corpo. Agora era só enterrar a cabeça e anotar no mapa a localização do bizarro tesouro. O dia já começava a clarear.

Bem vinda seja a vossa morte!Onde histórias criam vida. Descubra agora