Carta II

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Carta II

Maputo, 11 de setembro de 2020

Estou muito.... Aliás, já me esquecia de como devo iniciar a carta:

Saudações, prezada Ayana! Espero que estejas a gozar de boa saúde, eu estou muito normal. Na verdade, mais normal do que costumava não ser quando estavas aqui. Ainda te lembras do quão bem tu me fazias? Passaram-se quase vinte e quatro horas desde a última carta que te mandei, ainda não recebi resposta alguma, aliás, acho que recebi uma resposta meio que fruto de superstição, razão pela qual escrevo esta missiva. Sabes a seguir:

Ontem, depois de te mandar aquela carta, fiquei sentado a olhar pela janela as crianças que brincavam na rua. Elas corriam de um lado para o outro, algumas machucadas, mas mesmo assim continuavam a brincar. Aprendi das crianças que devia continuar a sonhar contigo mesmo que isso me doesse o peito. A propósito, ontem mesmo, mais tarde, depois de ver um filme, quando fui a cama e dormi, tive um sonho contigo.

No sonho, estavas tu a caminhar de costas à tua direcção pelas areias da praia de Zalala de forma sensual, desdenhando as casuarinas que te massageavam os pés escoltando as tuas pegadas que afundavam na areia branca típica da costa. Eu nunca fui para a Zambézia, queres saber como sei o nome da praia, suponho. Já respondo...

No sonho, tu dizias com aquela tua voz doce e com acento echuwabo:
- Bem vindo, Akil! Estás à vontade.
Eu não tinha poder de te responder no sonho, eu não conseguia, eu gritava e implorava que me devolvesses a fala, mas era uma relutância infrutífera. Tu cantavas e dançavas, olhavas-me e chamavas-me "Vem, Akil, vem."
Fazias tudo isso sem parar a retaguarda...

Eu não conseguia me mover até ti, não conseguia falar, não conseguia te dizer o que estava dentro de mim, mas tu, mesmo eu estando mudo, entendias-me e me prometias que tudo ficaria bem... E que eu só tinha que continuar a tentar, tentei tanto até que consegui te alcançar o vestido branco, agarrei-o para me suster e de repente acordei.

Acordei agarrado ao meu lençol branco e todo salgado de suor. Embora eu ache que não seja suor, era a água salubre do mar, pois senti estar contigo.

Naquele momento, eu percebi que tu ainda estavas para mim, que ainda estás para mim, tanto quanto estou para ti. Renovei a minha certeza de amor por ti, podes não me responder a carta anterior por escrito, não precisas de o fazer pois já o fizeste usando o método tecnológico espiritual de telepatia mais avançado que já existiu.

Enfim, saudações a ti e a toda população de Zambézia! Até a próxima carta, não demoro!

De teu escravo, Akil.

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