Carta III

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Maputo, 29 de setembro de 2020

Olá, Ayana! Espero que te faças bem de saúde e vida. Foram-se duas semanas e quatro dias desde a última carta que te enviei me apresentando cheio de júbilo fruto do filme zalalense que perpetraste em meus sonhos. Naquele dia, eu estava muito feliz, muito feliz mesmo! A felicidade era tal que prometi a mim mesmo que te ia empilhar mensagens atrás de mensagens, me respondesses ou não. Naquele dia, Ayana, dia onze de setembro, estava muito feliz, nada podia me tirar a felicidade e/ou quebrar o auto-juramento* de te mandar mensagens diárias, não fosse a tua amiga Amara, ela mesma, teu braço direito, quem me inspirou a não te mandar mais cartas e paradoxalmente a razão pela qual te escrevo hoje jorrando rios de água pelos olhos que outrora me disseste serem castanhos... Entende, a seguir, o que se passou:

Nesse dia, onze de setembro, voltava eu dos correios, lá na baixa da cidade de Maputo, saí todo alegre pois o envio tinha sido consumado. Pensei em ir directamente para a minha casa, mas negligenciei essa ideia e optei por caminhar pela Avenida 25 de Setembro para espairecer um bocado, escolhi sentar-me no Circuito de Manutenção Física António Repinga ou, simplesmente, no Repinga, bem em frente ao Hotel VIP Grand Maputo.

E lá estava eu sentado na relva caducada do Repinga a olhar para os carros luxuosos que só se podem ver pela 25 de Setembro; mas, naquele dia, eu vi mais do que carros a deixarem o hotel, vi a Amara, aquela que me apresentaste como tua amiga, uma vez, naquela pizzaria em que sempre tínhamos o lanche depois das aulas. Surpreendente, aliás: estranhamente, a Amara não saía pela porta da frente do hotel, tal como o faziam os outros, ela vinha lá de trás se ajeitando os cabelos, as roupas e maquilhagem apagando qualquer hipótese minha dela ser funcionária do hotel, a hipótese foi ainda mais nula quando a vi enterrando a cara de Benjamin Franklin no sutiã, eram dólares de verdade, não há quem os apanhe no chão do hotel e saia pelos fundos se ajeitando a maquilhagem e as roupas. A tua amiguinha saiu toda sorridente e só deixava George Washington nas mãos dos seguranças do hotel que, se não estou em erro, a conheciam e acobertavam os serviços.

Pus-me logo de pé e fui em direcção a ela para a cumprimentar e saber um pouquinho mais da tua partida à cocolândia... A Amara percebeu logo que eu a tinha descoberto os serviços e pôs-se logo a se defender antes mesmo que eu falasse a razão pela qual eu a interpelava:

- Eu tenho família em Zambézia. Vim a Maputo por conta dos estudos que hoje não consigo pagar. Preciso mesmo de dinheiro para pagar as despesas da escola e os constantes voos para a Zambézia, quando tenho saudades da minha família - amarrou a Amara.
- Não ligues para isso, não é sobre isso que vim ter...
- Então o que queres aqui?
- Queria saber sobre a Ayana.
- Aah sim, a Ayana...
- Por que ela foi para a Zambézia sem me dizer?
- Zambézia...?
- Sim, ouvi que ela se foi de volta.

Naquele momento, uma lágrima tentou descer pelos meus olhos enquanto eu lamentava a partida da Ayana.

- Tens de esquecer a Ayana - disse Amara.
- Mas ela gostava de mim.
- Olha para ti, não pagarias sequer o café que ela toma nos últimos dias.
- A Ayana não é assim...
- É mesmo? Eu sou amiga da Ayana faz tempo e sei o que ela ela é; o que nós somos.
- "O que vocês são" como assim?
- Achas que eu pagaria um hotel destes?
- Não me digas que...
- Não te digo, pois. Continua cego.

Amara amarrou seus dizeres à sombra das minhas dúvidas e se pôs dentro do táxi. Antes do táxi arrancar, baixou o vidro do carro e jogou um cartão de visita com a tua fotografia, contactos e endereço. As minhas cartas iam a mãos erradas, percebi que não estavas na Zambézia e que estavas sediada em Las Vegas. Espero que um dia me leves a conhecer Nevada, nos Estados Unidos.

Quando soube que eras prostituta, decidi me livrar do que sentia por ti, mas não consegui, não consigo. O amor que sinto por ti é doentio, o mais supremo de todos, representado pelo Ás de Copas, este que anuncia a recompensa de todos os esforços e a resposta a todas as súplicas amorosas.

Espero que um dia me leves a conhecer Nevada, nos Estados Unidos.

Directamente de Moçambique a Las Vegas. Do teu amoroso Akil.

Ás de CopasOnde histórias criam vida. Descubra agora