Capítulo 1: Um cemitério também é lugar de recomeços

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O inverno naquele ano estava mais rigoroso em Edo. Os flocos de neve que caíam tornavam o cemitério do Distrito Kabuki ainda mais silencioso e sem qualquer ponto de cor chamativa a não ser o guarda-chuva vermelho-escuro que a protegia da neve. Apesar do frio, caminhava sem pressa com um balde, algumas flores e manjus para sua visita rotineira.

Aquele era um inverno de gelar os ossos até mesmo de alguém mais jovem, ela pensou ao se lembrar de sua própria idade, na faixa dos sessenta anos. Usava maquiagem no rosto que possuía marcas dos anos que se passavam inexoráveis e viram a transformação do Japão pré-guerra para aquilo em que se tornara após a invasão alienígena, que culminou na guerra que durou duas décadas e que custou vidas como a de seu marido, cujo túmulo visitava regularmente.

Suas visitas costumavam ser solitárias, mas desta vez percebeu que tinha companhia naquele lugar silencioso. Alguém estava recostado atrás da lápide do túmulo de seu falecido esposo. De costas, percebia que era um jovem maltrapilho de cabelo rebelde prateado, aparentemente fraco e exausto.

Tiveram uma breve conversa, na qual o rapaz na faixa de vinte anos lhe pediu permissão para comer os manjus que trouxera como oferenda ao seu falecido marido. Faminto, devorou os bolinhos de feijões doces. Questionado sobre a resposta que poderia ter recebido, o jovem simplesmente disse que os mortos não respondiam.

Mesmo assim, ele fez a promessa a Tatsugoro de que a protegeria até o fim de sua vida... Visto que, segundo ele, a "velha" não teria muito tempo de vida.

Sorriu ao ver que o jovem andarilho parecia se sentir mais vivo. Pela primeira vez, viu seus olhos rubros que, mesmo arredios, se iluminavam de gratidão. Ele se levantou de forma desajeitada, reforçando que a protegeria até o fim de sua vida, devia-lhe isso.

Ela disse ao jovem que queria ver se ele tinha habilidades para tal. Por alguma razão, sentiu que deveria acolhê-lo. Estendeu-lhe o guarda-chuva para abrigá-lo dos flocos de neve:

― Venha comigo e honre sua promessa.

O jovem ainda estava processando aquele convite, se perguntando se poderia confiar naquela viúva cujos cabelos ainda castanhos estavam presos em um tradicional penteado japonês. O leve sorriso que curvara os lábios marcados pelo batom vermelho era acolhedor e maternal, o que o fez sentir o desejo de honrar de fato a promessa que fizera ao defunto. Esfregando os braços quase congelados, ele a seguiu até um prédio de dois andares que possuía uma fachada avermelhada. Observou que a parte de cima possuía uma varanda protegida por uma balaustrada de madeira e era acessada por uma escada que se localizava à direita. O andar de baixo era onde entrariam. Por sobre a entrada, havia uma tabuleta em que estava pintado "Otose Snack Bar", dizeres esses que se repetiam numa plaquinha luminosa ao lado da porta corrediça que acabara de ser aberta.

O local era um bar. À direita da porta, ficava o balcão cuidadosamente limpo, diante do qual estavam dispostos alguns bancos. Sobre ele, estava uma caixa-registradora e atrás, uma prateleira com várias garrafas de bebidas. À esquerda da entrada, ficavam mesas e cadeiras destinadas aos clientes.

Já fazia um bom tempo que ele não entrava num lugar como aquele que, embora simples, lhe parecia bastante acolhedor.

― Ei, rapaz – a viúva arrancou o rapaz de seus pensamentos. – Aqueles manjus não devem ter sido suficientes pra matar a sua fome.

Ele voltou seu olhar para o balcão, mais precisamente atrás dele. Ela abria naquele momento a panela elétrica, na qual o arroz recém-cozido fumegava. O estômago do jovem, ao sentir o cheiro, começou a roncar de forma constrangedora, comprovando que a mulher estava certa, pois os manjus realmente não o haviam saciado satisfatoriamente.

Não demorou muito para que ele se aproximasse e enchesse a tigela que ela pusera sobre o balcão, junto com um par de hashis. Após juntar as mãos e murmurar timidamente um "Itadakimasu", atacou aquele arroz como se não houvesse amanhã, sob o olhar daquela senhora.

― E então, posso saber o nome do homem que prometeu me proteger?

O jovem comeu três porções de arroz, quase se engasgando no processo, para depois responder:

― Sakata Gintoki.

― "Gintoki"... – ela repetiu o nome dele enquanto acendia um cigarro. – O nome tem mesmo a ver com você.

― Todo mundo fala isso por causa do meu cabelo.

Um breve silêncio se fez, não totalmente por conta do som das rápidas batidas dos hashis contra a tigela de louça, acompanhadas pelo barulho característico de alguém matando a fome depois de muito tempo sem ter uma refeição decente. Algumas vezes isso foi interrompido por um Gintoki que socava o peito por conta do arroz entalado na garganta seca, o que conseguia resolver bebendo um pouco de água. Só após terminar de comer, Gintoki indagou:

― Esse bar é seu, velha?

― Sim, o bar é meu... E esta velha se chama Otose.

*

Mais uma vez, Gintoki saía para encarar o vento frio cortante daquele rigoroso inverno, mas sua caminhada seria bem curta. Ele seguiu Otose, que se dirigiu à escada e os dois subiram até o segundo andar. Ao fim da escada de madeira, acessaram uma varanda protegida por uma balaustrada de madeira, da qual o albino se aproximou e teve uma vista da rua quase deserta devido ao frio e à neve num dia que já declinava e, em circunstâncias normais, teria mais gente transitando para lá e para cá.

Ouviu a porta corrediça sendo aberta e, esfregando os braços por conta do frio, entrou no local após deixar as sandálias gastas na entrada. Ao entrar, deparou-se com uma sala espaçosa, na qual estava disposta uma mesa de centro, ladeada por dois sofás de madeira com estofamento azul. Na frente da janela que se posicionava oposta à porta, havia uma escrivaninha com uma cadeira giratória de estofamento roxo. Um mobiliário modesto, mas limpo e conservado.

― Você pode ficar por aqui, o antigo inquilino saiu há cerca de um mês. – Otose falou. – Cuide bem deste lugar.

Gintoki apenas assentiu, ainda assimilando a oferta da velha. Não esperava que ela de fato acreditasse na promessa que fizera no cemitério de protegê-la até o fim. Entretanto, tivera uma boa impressão em relação a ela, apesar de ter algumas ressalvas. Desde que começara a viver como um andarilho, não havia como confiar em ninguém... Nem em velhos.

Porém, algo lhe dizia que aquela velha era uma exceção. Embora falasse de modo um pouco mais seco, sentia algo de maternal em suas palavras e atos. Talvez ela fosse diferente da maioria das pessoas que encontrava pelos caminhos tortos de sua vida.

― Hoje eu acredito que você esteja cansado. – ela sorriu complacente. – Poderá tomar banho e dormir, mas não quero que fique acomodado. Amanhã conto com você para me ajudar no bar. Você me parece ser uma boa pessoa, acredito que não se importará em ter um trabalho.

O Sakata sorriu em resposta. Um sorriso desajeitado, pois ele prometera protegê-la, mas parecia que era ela quem o protegia. Então era assim? Um meio que protegeria o outro dos infortúnios e de uma morte solitária?

― O que acha? Você será meu funcionário de meio período e morará aqui. Fica mais fácil de cumprir a promessa que fez ao meu falecido marido.

― Ei, velha – Gintoki encarou Otose. – Por que me acolheu assim?

― Porque os velhos é que devem morrer primeiro, não os jovens. Essa deveria ser a ordem natural das coisas... E como meu protetor, você vai garantir que assim seja.

Otose encarou os olhos rubros de Gintoki e finalizou com um sorriso maternal:

― Esta velha precisa não só de um protetor, mas de alguém para ajudar no meu bar. Posso contar com você?

Crônicas de um samurai desempregadoOnde histórias criam vida. Descubra agora