Prólogo

6 3 0
                                    

no dia em que ele partiu

Eu não me lembro o porquê da nossa briga no dia anterior, eu nunca me lembrava. Brigávamos, gritavamos e arremessavamos coisas na parede, e então, ele ia embora do quarto e eu imediatamente senti como se estivesse perdendo uma parte de mim. A dor, nunca senti algo tão forte, como se eu estivesse queimando, queimando e queimando. E ele era o antídoto, ele me causava a dor, mas também era o único que conseguia curá-la. Não era saudável, e eu sabia, mas nada me importava além dele. Os beijos dele, os toques, a maneira que fazia eu me sentir a única mulher do mundo.

Quando o conheci tudo era vermelho, tudo era intenso, nenhuma conversa era apenas uma conversa. Eram promessas. Não havia inocência nas trocas de olhares, nos joelhos se encostando por baixo da mesa, e nos encontros escondidos na madrugada. E a cada segundo, minuto, que eu passava ao seu lado, me via envolvida mais e mais. Tudo era ele, meus sonhos, meus desejos, meus pensamentos, e ardia dentro de mim como se eu estivesse pegando fogo. Ardendo em chamas e ele era gasolina me colocando em combustão, de novo, de novo e de novo. Me fazia tão feliz e liberta.

Fazia.

É claro, por que agora olhando o quarto vazio tenho a total certeza que não o verei mais. Minha mãe me avisou, eu bem me lembrava, berrou aos quatros ventos que me arrependeria de fugir com o motivo da desgraça dos Laurent. Todos haviam avisado, na verdade, os sinais estavam todos lá. Mas eu não queria ver, como poderia? Se ele fosse o que diziam que era, eu teria depositado todas as minhas confianças em alguém que eu não conhecia. Em alguém que existia apenas nas ideias mais românticas da minha imaginação fértil.

Olho os armários, já sabendo que não encontrarei nada. Suas jaquetas sumiram, assim como suas blusas de seda e suas botas mais glamourosas que qualquer peça de roupa que eu tivesse. Entro no pequeno banheiro, também vazio, e escorrego pela porta até o chão. As lágrimas são tantas que não consigo enxergar, e me sinto estúpida por estar chorando por ele. Me sinto estúpida porque já sinto sua falta mesmo que tenha acabado de partir, mesmo que tenha me dito coisas terríveis no dia anterior, mesmo que tenha me deixado num hotel de beira de estrada. Sozinha.

Choro por tanto tempo que logo estou apenas soluçando no chão gelado, encolhida como uma criança que perdeu seu brinquedo favorito. Mas o brinquedo foi eu. Ele brincou comigo até que se cansasse e partisse para seu novo entretenimento. Usou das minhas fraquezas para me manipular, usou dos meus sonhos impulso para seus próprios interesses. Me fez acreditar que eu tinha o conquistado, que eu era a predadora e não o contrário.

Me levantei, ainda trêmula, e caminho pelo quarto. Tenho que começar a arrumar minhas coisas, seremos - não, eu serei, preciso me lembrar que não há mais nós. Serei despejada pela manhã, quando o gerente do hotel perceber que não tenho dinheiro para pagar as noites que passei ali. Tenho que fugir pela madrugada, procurar um telefone e... Bem, ligar para a minha mãe. Sei que ela aparecerá para me ajudar, apesar dos meus erros. Abro minha mala de mão e coloco as poucas roupas que eu ainda tinha, e então me ajoelho ao lado do colchão para pegar o restante do dinheiro que ainda tinha posse.

Meu coração errou uma batida ao perceber que não há mais nada ali. Mas isso era impossível, me lembro bem da primeira noite em que rasguei o lado do colchão e enfiei as notas ali, agora há apenas espuma. A realização me bate como um soco. Desgraçado! Não só havia me deixado, como também levado o dinheiro consigo. Esmurro o lençol com toda a raiva que sinto, as lágrimas voltando a arder no fundo dos meus olhos.

Me viro para a penteadeira, procurando pelo meu celular, e então vejo. Um pequeno papel arrancado de uma folha, dobrado atrás de uma caixinha de bijuterias. É como se o tempo tivesse parado, minhas emoções se esvai, e me encontro em inércia quando pego o bilhete que ele me deixou. Meu último souvenir, a nossa despedida, já que ele foi um covarde e sumiu sem que eu soubesse.

Minha doce, Clarisse, não me odeie por favor. Uma vez disse a você que a vida era muita curta, e o arrependimento era longo, por isso fiz o que fiz.
Fique bem.

Era isso? Todos os meses em que passamos juntos, resumidos em 6 linhas de papel e 32 palavras? Eu li, e reli, então li mais uma vez. Era isso. Peguei o papel, e contrariando minhas vontades, o guardei no bolso de trás da minha calça. Apesar dos pesares, era a única coisa dele que me restou, a única coisa verdadeira. Porque eu já sabia que assim que eu passasse pela porta, as lembranças que me restariam seriam apenas as boas, onde ele me dizia as mais lindas frases de amor, me beijava sobre a luz do luar e me contava histórias - verdadeiras ou não eu nunca soube - antes que pegassem no sono. E eu queria um lembrete de quem ele realmente era.

Arrumei minhas coisas em silêncio, os pensamentos enevoados, e não derramei nenhuma lágrima sequer. Ainda que doesse, meu deus como doía, mas era como se eu estivesse anestesiada. Meu medo era que eu jamais superasse, que depois dele, nada fosse tão instigante, interessante, e que eu passasse os restos da minha vida afogada em água morna.

O fogo se extinguiu, e agora eu era apenas cinzas. E a culpa era dele: Luke Hemmings.

I Know PlacesOnde histórias criam vida. Descubra agora