Complexo

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Uma coisa era vislumbrar pela TV ou à distância. Outra muito diferente era estar frente a frente com um ser bizarro daqueles que claramente tinha como objetivo destruir toda vida possível. Bem, de forma sintetizada, eles possuem elementos. Sim, isso mesmo, fogo, ar, água e terra e dependendo do ambiente, isso os torna mais forte. Nesse caso foi um gigantesco exemplar de mastodonte de fogo que apareceu no meio de Paris e chamuscou todas as ruas, pelo menos as que não incendiou.
Com destreza, testei minhas capacidades e limites para arranjar aliados, contudo creio que não tenho um nível elevado de maestria para tal ação que minha mãe julgou como imprudente e depois eu tive longas aulas sobre luta, aplicação de poderes e essas coisas. Eu acho que é uma coisa simples pra quem basicamente lida com o poder de criação sabe? É mais fácil ter noção de como agir.
De qualquer forma, tive um bom tempo de explicação até que finalmente por sensatez do meu pai, pude subir para meu quarto e dormir para a aula no próximo dia.
Suponho que Hiroki não gostaria de esperar muito tempo na porta da frente e supus também que eu não deveria contar pra ele sobre o porque eu dormi tarde e toda a explicação sobre deveres-de-um-heroi, quer dizer, justamente por ter ouvido tantas vezes sobre essa explicação, eu sei que a suposição está correta.

Acredito que meu cansaço era absurdo por não ter percebido que apaguei abruptamente e só abri os olhos no outro dia com Nooroo zunindo ao meu redor em desespero para que eu me levantasse por causa do horário. Disse também que seria bom que treinassemos juntos para que eu dominasse seus poderes, mas com tamanho cansaço apenas mexi a mão num gesto de "sim sim tudo bem já entendi" e imediatamente levantei escutando a conversa na cozinha. Quer dizer, não consegui ouvir nada além de distinguir as vozes e saber que Hiroki já me esperava, então peguei uma blusa básica roxa e minha  calça jeans cós alto não esquecendo de prender o broche no peito. Enfiei meu tênis preto plataforma alta, prendi o cabelo em um rabo de cavalo e corri degraus abaixo, lembrando de pegar a mochila por detalhe e puxando-a junto de mim. Peguei uma panqueca que estava no prato sob a mesa coberta com manteiga e mel, enfiei na boca e puxei Hiroki um tanto quanto bruscamente mas tinha noção do horário.

- Tchau mãe. Tchau pai. Estamos atrasados! - acenei enquanto fechava a porta atrás de mim e continuava puxando meu amigo.

- Emma! - ouvia a voz de protesto que eu continuava arrastando - Ei Emma! Sério, que violência! Eu nem consegui me despedir sabe?

- Desculpe. - respondi enquanto parava bruscamente no caminho para olhar para sua cara - Bom dia! - sorri meio sem jeito. Velhos tempos?

- Bom dia. Mais calma agora? A gente não vai morrer se se atrasar 5 minutos ou algo assim... - ele encarou minha mão que segurava seu pulso insistentemente e depois voltou o olhar pra mim - Como quiser - deu de ombros tomando a frente e dessa vez era ele que praticamente me arrastava, o que fez com que eu soltasse seu pulso quase que instantâneamente.

- Viu? - ele riu - Ninguém gosta de ser arrastado. - girou sob os calcanhares e parou de frente pra mim ainda sorrindo e me dando tapinhas carinhosos na cabeça (pelo menos ao meu ver)

- Tudo bem, foi mal. Agora a gente tem que ir.

- Como quiser, madame. - pude ouvir a risada mais uma vez e seguiu caminho com um ar mais brincalhão que antes, o que me fez invitavelmente sorrir.

- Escuta Hiro... - fiz uma pausa enquanto subíamos as escadas - Sua mãe te falou algo sobre ter tido uma adolescência limitada e por isso queria que você fosse livre o máximo possível?

- Algo sobre isso, sim. Ela também comentou sobre a amizade com Adrien sabe, que os dois se deram muito bem por causa disso, meus avós e seus avós eram rígidos e tal. Por que?

- Hm, nada não, eu só queria ter certeza. - Continuamos andando pelo corredor até a sala. Na verdade, eu ouvi minha mãe conversando com Kyoko no telefone, algo sobre "me preocupo com a liberdade que Adrien dá para Emma mas eu entendo" e depois uma resposta do tipo "Nós éramos muito presos, é natural que nosso desejo seja o oposto para nossos filhos" e isso plantou uma dúvida, mas eu evito perguntar sobre meu avô. Isso parece deixar meu pai muito abatido ainda e faz tempo desde que aconteceu.

Entramos na sala e sentamos lado a lado, observei enquanto Ammy colocava a mochila logo atrás de mim e fazia sinal de que estava de olho, dirigindo o indicador e dedo médio aos olhos e depois em minha direção. Quer dizer, costumamos sentar juntas. Até Hiroki sentar do meu lado. Não por mal, mas acho que eu era a única pessoa que lhe trazia conforto por ali e eu prefiro que seja assim até que se adapte. Logo depois, Jéssica chegou, seguida por Beatrice. Beatrice por muito tempo esteve sozinha até que Jéssica entrasse na turma. Quero dizer, eu e Ammy somos amigas dela, mas de uma forma geral a turma a evitava por um motivo tão primitivo que chegava a ser quase incompreensível: ela era adotada e tinha duas mães. Popularmente conhecidas como Rose e Juleka. Por diversas vezes eu e Ammy matamos aula com ela para que pudesse chorar em paz no banheiro enquanto tentávamos consolar e amenizar a situação, mas não é a mesma coisa do que passar por essas situações de fato. Jéssica veio do Brasil e era criada por dois pais, Thomas e Renan mais especificamente. Ela inicialmente também não falava com muita gente mas esse fato as uniu de forma incrível, acredito que uniu as famílias também. Digo, minha mãe era grande amiga das mães de Beatrice, mas é como eu disse. Acho que não é a mesma coisa que ter noção daquela realidade dentro do ponto de vista como um alvo direto da violência.
Outras pessoas chegaram nesse meio tempo mas estava muito absorta em pensamentos de como aquela situação era ridícula. Por isso, meu pai dizia que achava compreensível que Marc e Nathaniel tinham tanto receio com a adoção até conseguirem se mudar. É um pré conceito duplo, além de adotado é criado por um casal homoafetivo. Acho que ninguém considerava essa realidade saudável para criar um filho.

- Emma - Hiroki me cutucou com uma mão enquanto apoiava o rosto na outra, me encarando de lado e interrompendo meus pensamentos de indignação.

- Hm? - ele apontou para a professora que me chamava insistentemente até que enfim levantei a mão. Ouvi as risadas.

- Foi para outro mundo? - Hiroki ria de forma solidária, era um olhar de cumplicidade

- Acho que sim... Quer dizer, gostaria que sim. Mas acho que eu estava em uma realidade bem... Real - sorri e voltei a atenção para a professora enquanto sentia seu olhar intrigado sob minha pessoa.
Ignorei até o intervalo e decidi que precisava apresentar meu amigo para todo mundo.

O meu nome é EmmaOnde histórias criam vida. Descubra agora