Dark Nights (Gay/Yaoi)

3. the bomb

A claridade do dia cinzento e nublado atravessa a janela sem problemas, afinal, nunca foi posto uma cortina ali. É a melhor forma de não perder a hora, no final das contas. E eu realmente precisava acordar mais cedo que o usual hoje. Eu preciso cuidar desse machucado, que foi completamente ignorado enquanto eu dormia, tamanho era meu sono. Infelizmente meu desejo não se concretizou, mas estou acostumado. É sempre assim.

A cama agora está com uma mancha ligeiramente grande de sangue, e essa não é a primeira vez. Ela reconhece essa cor tanto quanto eu. O cheiro pútrido do vômito desta noite está insuportável, está seco e verde escuro. Para deixar a cena ainda mais grotesca, há uma barata cascuda e marrom em cima dele. Em plena luz da manhã. Suas antenas asquerosas balançam lentamente. Eu preciso dar um jeito em mim primeiro.

Mesmo com a urgência de um banho, preparei um esquema para não ter de olhar na cara desse desgraçado por agora. Ao menos uma coisa boa precisa acontecer agora de manhã.

— Merda... — percebo que meu celular está descarregado ao tentar visualizar as horas, mas sei que não perdi o ônibus escolar porque escuto os roncos do meu pai logo ao lado.

Coloco meu aparelho na tomada e torço para carregar o suficiente para poder escutar música durante o caminho para a escola. Eu não preciso aguentar esses merdinhas cheios de espinhas, isso já é demais.

Lentamente abro a porta, fazendo o possível para que ela não grite desesperadamente por óleo. Como eu odeio esse som, meus pelos arrepiam só de imaginar. O cheiro de mofo do corredor me vem como umas boas vindas mais amigáveis do que a que tive algumas horas atrás, e desço as escadas cuidadosamente para a cozinha. Tarefa nº1) preparar o café da manhã do diabo; 2) comer o meu antes que ele acorde; 3) preparar curativos. Assim, quando ele sair para a oficina, só me restará tomar banho e ir para a escola. É o plano perfeito. Mas precisa ser executado minuciosamente cronometrado. Cada segundo conta.

Preparo a comida com o máximo de delicadeza possível, mesmo sabendo para quem estou cozinhando. As panelas tendem a ser mais barulhentas do que o normal em situações como essas, assim como as casas de ovos podem ser tão escandalosas quanto folhas secas ou um galho quebrando num filme de terror. Não nego que o pensamento de colocar veneno para rato em suas refeições me vem à cabeça, mas... sei que quando chegar a hora, estarei tremendo ou simplesmente ficarei travado por ser um medroso de merda.

Ele certamente perceberia meu comportamento estranho antes de dar a primeira colherada, ou eu posso acabar esquecendo a merda da lata de veneno em cima da pia. No final, vou falhar miseravelmente e não quero nem mesmo imaginar as consequências disso. Acho que ele me espancaria a ponto de perder a consciência, mas não morrer, então ele me despiria e me jogaria no meio de uma estrada. Talvez até mesmo na praça da cidade para que todos vejam a minha desgraça, meu corpo nu e ferido, então ele fugiria para outro lugar.

Mas o que mais me dá medo, é a cara que ele faria ao descobrir minha façanha. O momento antes da merda acontecer, aquele em que o coração dispara em angústia. Se mínimos erros como quebrar um copo ou salgar a comida demais não são perdoados... ah, imagina envenená-lo.

Enquanto como os ovos mexidos e dou um gole grande no leite prestes a vencer, sinto um suspiro escapar de mim e os músculos das minhas costas doerem. Ao menos a enxaqueca passou, foi embora furtivamente enquanto dormia, como uma amante indesejada.

No final, meu plano deu certo. Mesmo sem o meu celular, o relógio analógico da cozinha foi meu fiel parceiro e seu tic-toc alto reverberando pela casa toda certamente me garantiu que cada segundo não passasse despercebido. O ronco, agora do motor do carro velho do meu pai, vai se dissipando conforme ele se distancia de mim. E meus músculos relaxam instantâneamente.