A Carne

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A fome me corroía por dentro. Dois dias, ou pelo menos eu achava isso, haviam se passado desde que eu atravessei aquele portal. Contava o tempo baseado no meu relógio biológico que de tão acostumado com a rotina, ainda mantinha os horários.


Desmaiei.

Acordei e percebi que meu cachorro havia me abandonado durante o período em que fiquei desacordado. Não o culpava por fazer isso, era melhor que ele vivesse do melhor jeito que conseguisse ao invés de definhar preso a mim. Senti minhas calças molhadas e supus que ele havia ido embora após a minha sétima ou oitava mijada. Eu fazia isso cinco vezes por dia sem atrasar nenhuma então era a única forma que tinha de contar a passagem de tempo, já que aquele lugar não tinha exatamente uma constância na mudança de iluminação como o nosso Sol.

A fome e a sede competiam para ver qual delas iria me matar primeiro. Minha última alternativa seria comer aquela grama rosada na qual estava deitado. Por mais opressora que fosse aquela paisagem de estrelas e planetas multicoloridos, não me cansava dela. Suponho que seria uma forma bonita e poética de morrer. Quem diria, eu, o cara mais normal e chato do mundo, tendo um fim em um cenário tão lindo como aquele.

O sono começava a me embalar quando ouvi um latido ao fundo. Começou bem baixinho, imaginei que estava sonhando com meu abobalhado cachorro, mas o som foi aumentando gradualmente. Despertei de fato quando ouvi uma respiração forte e acelerada e senti uma lambida gelada e gosmenta no meu rosto.

— Max? Max você voltou — Disse tentando segurar as lágrimas.

Passei a mão sobre o seu pelo macio e encardido e o abracei. A alegria de ter sua companhia de volta me trazia novas energias. Quando o soltei, reparei em uma gosma verde avermelhada em volta de sua boca e me deparei com um pedaço de osso inteiriço do tamanho do meu braço, do pulso até o ombro. Havia restos de carnes, que me pareciam apodrecidas, grudadas nele.
— Oh meu filho! Você me trouxe comida — Não consegui segurar as lágrimas dessa vez — Quem é o cachorrão do papai hein! — Max abanava o rabo e me lambia enquanto eu o acariciava.


Comi.

O sabor daquela carne era horroroso. Era dura e fedia, muito. A pior parte era sentir a gosma azeda que saia dela quando eu a mastigava. Acredito que mesmo que eu tivesse algo para cozinhá-la, fritá-la ou assá-la, não teria melhorado seu gosto. Não fosse a situação a qual me encontrava, nunca teria comido aquilo. Sem dúvidas em algum momento eu iria passar muito mal.

Recuperei um pouco das minhas forças após aquela maravilhosa refeição. Só que não, mas serviu para que eu não morresse de inanição. Por mais que houvesse salvado minha vida, aquele pedaço de osso não iria ser o suficiente para manter nós dois vivos. Então pedi para que Max me levasse até o local onde encontrou aquela carne.

Após caminharmos por volta de duas mijadas, finalmente chegamos ao local de onde viera a comida.


Vomitei.

A origem da carne que me deu uma chance de voltar a viver, nunca teria passado pela minha cabeça. Era um conjunto de ossos enormes, alguns maiores que eu, envoltos em um manto acinzentado de carne escura. Uma pelagem rala e grossa percorria toda a extensão daquele animal. Minha mente trabalhava arduamente tentando encontrar um comparativo animal para a forma na minha frente. Pelo tamanho da criatura quadrupede com pernas grossas, dois ossos imensos e arqueados que saiam de sua cabeça com uma espécie de tentáculo e entre eles, para mim era um elefante. Bem, quase um elefante, não fosse dois chifres saindo de suas costas.

Após aceitar que teria de comer aquele animal espacial para viver, me pus a trabalhar. Com a ajuda de Max eu puxava e separava os tecidos musculares das peças de calcificadas. O mau cheiro me provocava ânsia, mas aguentei firme o quanto eu pude. O meu objetivo? Juntar o suficiente para sobreviver durante a jornada que em algum momento eu teria que aceitar. Afinal, aquele alimento não iria durar para sempre.

Enquanto descansava dividindo um pedaço fibroso asqueroso com meu cachorro, ouvi um barulho estranho ecoar do animal morto. Uma vibração transcorreu seu corpo todo e as partes que ainda se conectavam começaram a se mover lentamente. Um grande gemido saiu da criatura que tentava se levantar a qualquer custo.

Max rosnava, latia e eu não acreditava no que via. Desde que chegara aquele local, aquela era de longe a coisa mais estranha que eu havia visto. A grama sob meus pés começou a vibrar, o som de passadas pesadas foi ficando mais intenso e quando percebi o que acontecia já era tarde de mais. Uma manada de mortos vivos gigantes se aproximava.


Gritei.

— MAX, COOOOOORRE!

As Aventuras de MaxOnde histórias criam vida. Descubra agora