— Quem era? – Shawn pergunta se aproximando com a caixa repleta de furos, e, assim que a avistei, associei de imediato à situação horrenda a qual tinha acabado de me inserir.
Encarei o homem à minha frente e tentei ao máximo esconder o pânico que assolava meu corpo por inteiro – meu joelho tremia como se eu tivesse tomado um banho gelado na Sibéria –. Eu não podia, né? Deixar que Shawn soubesse, eu digo. Mas como vou contornar a mentira que contei meu pai? E, se eu não for, como vou ter esse dinheiro para conseguir bancar outro estúdio? Não disse? Cheia de furos.
— Meu pai – disse com um sorrisinho mentiroso, guardando o celular de volta na bolsa.
Shawn ergue as sobrancelhas, surpreso.
— Sério? E ele queria o quê?
É a minha vez de erguer as sobrancelhas. Shawn dá um sorrisinho amarelo e se desculpa pela curiosidade. Não o desculpei, gostaria de deixar registrado. Por mais que não quisesse compartilhar do conteúdo da ligação, nossas fofocas era uma das partes mais divertidas no nosso relacionamento, e só aconteciam por sermos curiosos desocupados. Não tem casal mais unido do que o casal de fofoqueiros.
— Achou o que precisava? – perguntei em tom de finalmente e ele concordou, indicando com o queixo o carrinho com tantas coisas quanto minha história tinha furos, quanto a caixa de Fred tinha furos, aliás. Fiz uma careta. — Que eu saiba ele não é um passarinho de elite, Shawn. Fred não precisa desse tanto de coisa — reclamei e o bonito ainda teve a audácia de me revirar os olhos. Acabei revirando junto. — Eu nem estou com condições pra bancar isso tudo.
— E quem disse que é você quem vai pagar? – Antes que eu interferisse, continua: — Considere um presente.
Pela minha pose de "não vai rolar", Shawn percebe que, bom, de fato, não iria rolar. Então, como uma última jogada, resgata Fred da caixa e o traz para bem perto de si, com um olhar de piedade falsa e descarada. O pássaro não parece gostar muito do afago, debatendo-se como podia em sua atadura e, ao ver que estava totalmente imobilizado, tenta se defender bicando o rosto de Shawn, o que me faz rir por parecer beijinhos de ave. Minha risada foi mal interpretada pelo patetão, que acha que ganhou com o argumento de não ter argumento nenhum, já carregando o carrinho para o caixa.
— Argh! Você é insuportável – resmungo, seguindo-o pelos corredores do pet shop.
— Fred não acha isso – retruca convencido, voltando-se para o passarinho já dentro da caixa. — Você quer muitos os presentes, né, filho?
— Filho? – pergunto dando uma risada nervosa. — Coitado. Sou mãe solteira. — Pego de seu cuidado a caixa que guarda o pássaro para provar meu ponto e para deixar as mãos de Shawn livres para que ele passe as compras.
— E daí? Não vou deixar Fred crescer sem uma boa figura paterna.
Não consegui conter a risada, sentindo o olhar da moça do caixa se dividir em nós dois e na nossa discussão sem fundamento. Ignorei-a.
— E o que você tem pra ensiná-lo, hein? Como evitar tomates na floresta? – zombo e recebo seu olhar enviesado por cima do ombro, o que me fez rir ainda mais. Sua cara emburrada durou pouquíssimo diante da minha demonstração de alegria e seus olhos se fixam em mim com tanta intensidade que senti queimar minha pele pálida, até que, sei lá, ela deixasse de ser pálida. Se ele me olhasse assim por mais algum tempo, já poderia imaginar as pessoas me perguntando onde fica esse buraco no Canadá onde todo o sol se concentra.
— Senhor? – a chamada impaciente da moça do caixa tira sua atenção do meu rosto e nos acorda do transe. Olho para a caixa de Fred, constrangida. Além de constrangida, talvez. Mesmo se namorássemos, eu teria ficado com o sangue concentrado nas bochechas como fica em um pau excitado, mas não éramos nem amigos... No final, meu pau teria explodido com o tanto de sangue.
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There's Something
FanfictionA prepotência tem um custo. A lei de Murphy não engana e o universo não quer saber. Algo sempre te segura, meu bem. E Ellie voltava ao Canadá para dar um não! na cara de quem ousou contrariá-la. 2ª temporada de There's Nothing Holdin' Me Back.