04. O que ela não precisava (ou precisava?)

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Sempre me perguntei como seria ouvir meu nome em sua boca de novo. Já diversas vezes tentei ensaiar um possível momento como esse, mas em nem um milhão de anos conseguiria ensaiar o que senti ao ouvi-lo depois de tanto tempo. Ao sair do breu que o abraço em trio me proporcionava, quase como um ímã, fui intimada a olhar para a porta e fui tentada a emergir no buraco de sua pupila, de tão profundo que me encontrei em seu castanho. Sentia meu coração alucinado dentro do peito, chegando a me perguntar, em um mero delírio, se dava para ver o volume que ele fazia em minha caixa torácica. Sentia também uma pressão na minha bexiga; precisava fazer xixi — e era uma das poucas coisas que eu conseguia identificar.

Shawn estava ali. Em seus jeans, nas mãos trazia a chave do carro pra sair a minha procura. Seu cabelo estava um pouco maior, mas nada que fizesse seus cachos se permitirem. Sua expressão era um misto de surpresa e alívio: as sobrancelhas erguidas, a boca entreaberta a procura do que dizer, a respiração cortada, a postura inquieta. Sua mão, a que segurava a chave, firmava-se na porta como se uma força o impedisse de dar um passo se quer. Talvez eu.

— Ellie... — Foi tudo o que conseguiu balbuciar. Minha perna falhou. Meu nome parecia tão confortável ali, encaixado naqueles lábios e naquela voz.

Clareei a garganta.

— Oi, Shawn. — E, então, funguei. Só aí lembrei que antes chorava.

— O que aconteceu, amiga? — Katy perguntou ao me arrastar pra dentro pelos ombros.

Eu me acomodei no sofá da avó de Katherine, bebi um pouco de água que Geoff me ofereceu e engatei em contar o que tinha me acontecido. Os pares de sobrancelhas presentes na sala se uniam em sinal de tristeza ao decorrer da história, inclusive o meu. Quando terminei, joguei-me nas almofadas e encarei o teto: — O que vou fazer agora?

Senti o estofado se afundar ao meu lado e a mão macia de Katherine guardar a minha.

— A gente vai dar um jeito. — Garantiu e eu ri, infeliz.

Por fim, ajeitei a postura, apoiei as mãos nos joelhos e dei de ombros.

— Acho que vou ter que voltar para Nova Iorque. — Olhei para o chão, sem focalizar em nada em específico. — O emprego era bom, era legal, George é ótimo... Só vou ter que arranjar um lugar pra morar.

— É o que você quer? — Shawn perguntou e eu o encarei.

— Não é tão ruim. — Dei de ombros. — Quer dizer, trabalhar com George foi um sonho...

— Mas esse sonho você já alcançou, Ellie. — Voltou a dizer. — Tem outro esperando pra ser realizado.

— Como vou realizá-lo agora, Shawn? Minha única esperança foi pro ralo. — Justifiquei-me.

— A primeira tentativa não deu certo. Vai sacrificar todas as outras? — perguntou irônico e eu arqueei as sobrancelhas.

— E enquanto corro atrás da segunda, terceira, quarta, você quer que eu viva do quê? Fotossíntese? Morando debaixo da ponte? — Talvez eu estivesse um pouco na defensiva. Mas não é como se ele não estivesse também. A prova eram seus cotovelos apoiados nos joelhos. Típico.

— Por que você é tão cabeça dura? Duvido que Katy e Geoff se recusem a te ajudar. Eu estou aqui também, você sabe. — E quando disso isso, desviou o olhar. A culpa resolveu se manifestar através da sua linguagem corporal. Ele sabia que tinha vacilado comigo, nem que lá no fundo.

Quis me atracar em seu pescoço. Não de uma forma boa.

— Ah! — Ri ironicamente. — Agora você vai me ajudar? Depois de ter me deixado na mão tantas vezes, agora você vem querer me ajudar?

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