02. O céu que ela olhava

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"Atenção, senhores passageiros, esta é a última chamada para o voo 439"

Levantei do meu acento e sorri para os dois ainda sentados nos seus. Sorri gigante. Karla, que, até o momento, estava xoxa como um brinquedo inflável em fim de festa, deu um sorrisinho e tentou melhorar a expressão chorosa que dominava seu rosto. — Não fica triste, boo. Não é pra sempre.

— É quase, Ellie. O Canadá é sua casa — refutou chateada e eu ri negando, puxando-a pelos braços até que ficasse em pé.

— Não, K. Minha casa é aqui. — Apontei para o seu peito. — Aqui. — Apontei para o peito de Steve que também já havia levantado, sentindo-o beijar minha mão e acoplá-la com carinho em sua bochecha. — O Canadá é só um lugar que eu preciso estar agora, mas eu moro no coração de quem me quer bem. Nunca se esqueçam disso, ok?

Minha amiga abanou o rosto e tentou assoprar as lágrimas que brotavam em seus olhos para longe, mas falhou quando sentiu as bochechas molhadas. Eles nem disseram mais nada, apenas me envolveram em um abraço que exalava tanto amor que tive que olhar pra cima ou, então, um novo chororô começaria. Afastei-me e afaguei-os.

— Estarei aqui para o casamento — disse beijando suas bochechas. — Amo vocês!

Coloquei minha bolsa no ombro e caminhei até a sala de embarque, olhando para trás algumas vezes e rindo das caretas de Steve. Ao sentar na poltrona do avião, catei meu celular da bolsa para desligá-lo, mas fui impedida por uma mensagem que tinha acabado de chegar. Era de George, meu ex-chefe, o Elton John do mundo da fotografia. "Ótimas notícias, Ellie! O ponto é praticamente seu", dizia o texto. Vibrei, apertando os olhos e trazendo o celular para o meu peito, sentindo toda sua radiação me matar aos poucos. Não ligava. Nunca tinha me sentindo tão viva. O ponto, o qual George se referia, é onde vou montar meu próprio estúdio de fotografia. É meu sonho em forma de concreto.

— Não que eu queira atrapalhar a alegria da moça, mas é que eu queria sentar...

Foi tudo tão rápido que só me dei conta do que aconteceu ao sentir o ardor na minha testa e as mãos de um estranho segurando meus braços. Quando ouvi sua voz, levei um susto por estar muito imersa na felicidade do meu próprio estúdio e acabei levantando rápido demais, preocupada com a possibilidade de estar atrapalhando-o por muito tempo. Resultou em algo bem pior. Com a abruptidão, bati a cabeça no porta-malas, caindo sentada logo depois. Passei a mão na minha testa, sentindo o galo em potencial e uma umidade esquisitíssima, dando-me conta do que era ao ver os filetes vermelhos em meus dedos. Sangue. Maravilha. Subi o olhar para encarar o homem a minha frente, não me surpreendendo ao encontrá-lo muito confuso com o que tinha acabado de ver.

— Você está bem? — perguntou ao se aproximar com cuidado.

— Estou sim — disse desconfortável. — É que eu levei um susto, estava meio distraída.

— Eu percebi — respondeu risonho, colocando sua bolsa no porta-malas onde estava minha cabeça há uns minutos. Seu corpo se aproximou consideravelmente da minha poltrona e sua camisa subiu um pouco enquanto ele posicionava sua bagagem. Desviei o olhar. — Eu posso...? — perguntou se agachando e se aproximando da minha testa.

Eu me afastei e ele recuou.

— Você é médico? — perguntei sem saber em que parte do seu rosto eu deveria focar. Acabei focando em nenhuma.

— Sou enfermeiro — respondeu com um sorrisinho de lado. — Sério, sua testa está bem vermelha.

Eu assenti me sentindo sem saída e ele voltou a se aproximar. Afastou meu cabelo com as pontas dos dedos, analisando o calombo causado pelo trauma e eu senti todos os pelinhos da minha nuca se arrepiarem com seu toque. Deve ser a sensibilidade ou algo assim. Enquanto ele me examinava, não me contive em lhe examinar de volta. Seus olhos eram azuis, quase verdes, contrastando com sua pele alva. Seu cabelo liso era escuro, quase preto. Seu físico denunciava uma academia, mas não tinha nada que denunciasse um exagero. Suas sobrancelhas grossas estavam franzidas enquanto estavam analíticas, mas suavizaram ao perceber que eu o encarava. Desviei o olhar de novo; constrangida. Ele sorriu e se levantou. — Você deve ter batido em algum lugar áspero, pois arranhou um pouco e saiu sangue. Mas está tranquilo, só vai precisar de gelo e band-aid. Eu pego pra você.

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