O dia da mudança

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Passo o dia inteiro andando de um lado pro outro dentro de casa, organizando o que vai no caminhão e o que vai no carro. As coisinhas da minha princesa iriam no carro, pra não correr o risco de nada ficar perdido ou difícil de encontrar.

Eu esperava que as coisas dela já estivessem prontas, mas aí:

-O que você tá fazendo aí? -pergunto pra menina encolhida em um canto da parede.

-Eu to lendo, ué -ela fecha um livro e coloca na pilha de livros ao lado do paninho que ela estava em cima.

-Por que não tá pronta pra mudança?

-Porque eu não vou me mudar, então não preciso ficar pronta.

-Você precisa, não pode ficar aqui sozinha e sem nada.

-Eu tenho tudo que preciso bem aqui. Meus acessórios de cabelo -ela aponta pra cabeça, lotada de acessórios pequenos -Minhas próximas leituras -a pilha de livros -E lanches -mostra uma cesta com frutas e biscoitinhos -Meus bubus também estão todos comigo, e o meu coelho de pelúcia, e a vaquinha estão aqui pra dormir comigo.

-Meu amor, você não tem cobertor nem travesseiro -acho mais fácil mostrar que ela tem falhas no plano do que fazer ela mudar de ideia.

-Eu tenho aqui, o seu moletom, meias altas e posso dormir na vaquinha. Tenho tudo sob controle.

-Anjinho... -suspiro.

-Nam! Eu não quero ouvir, eu já disse que não me mudo!

-Mas o papai vai se mudar. Como você vai ficar sem mim!?

Ela cruza os braços e vira o rosto pro outro lado.

-E como eu vou ficar sem você? -tento outra abordagem, com grandes esperanças de que funcione dessa vez.

-É SÓ VOCÊ FICAR COMIGO AQUI E NÃO SE MUDAR! -ela grita, brava comigo e cruza os braços, com os olhos cheios de lágrimas.

-Ôh meu anjinho... -me sento com ela no cobertor no chão e pego no colo. Ela começa a chorar escondidinha no meu peito. Eu já sabia que ela não queria se mudar, e justamente porque não queria que ela ficasse abalada antes da hora não toquei no assunto. Mas talvez tivesse sido melhor falar com ela sobre isso mais vezes, pra ela se acostumar com a ideia. Eu nunca sabia o que fazer quando ela chorava, isso cortava o meu coração. Coloquei o bubu na boca dela, e fiquei fazendo carinho em seu cabelo por vários minutos, e quando ela se acalmou olhou pra cima e disse:

-Eu ainda não vou me mudar.

Ela estava irredutível, e eu não sabia como resolver a situação, mas melhor ir ajeitando tudo e lidar com isso por último.

Os caras que iam buscar o guarda roupas me chamaram um tempo depois, quando eu estava no portão e perguntaram:

-Você por acaso tem uma daquelas bonecas hiper realistas? Precisa de embalar com algum cuidado especial?

Confuso, eu fui até o andar de cima saber o que estava acontecendo, porque Angelina não tinha bonecas, e muito menos eu. O que será que ela estava aprontando?

-Angelina? Angelina, meu amor, levanta daí -pedi, pra menina encolhida que parecia não estar me ouvindo. Achei melhor não continuar tentando falar com aquela coisinha imóvel que realmente parecia uma boneca, porque os caras da mudança me encararam estranho na primeira vez que dirigi minha palavra a ela -É só ignorar e tomar cuidado pra não acertar nela -apertei a ponte do nariz e massageei porque estava começando a ter dor de cabeça. Já tinham se passado várias horas desde o abraço reconfortante que dei nela, e ela não tinha se movido do seu forte pra absolutamente nada. Não tinha nem ido ao banheiro a pestinha.

Eu provavelmente teria que arrastar ela dali, mas não gostava da ideia de acabar machucando ela de alguma maneira. E se ela fizesse pirraça, e se machucasse, teria que ir pro castigo machucada mesmo, e isso ia me machucar, porque a carinha de mágoa dela atingia o meu coração profundamente.

Depois que todas as coisas estavam guardadas, imaginei que das duas uma;

Ou ela já teria se cansado da pirraça, ou teria percebido que isso não ia funcionar.

Errei.

Nenhum dos dois aconteceu.

Angelina princesa do céuOnde histórias criam vida. Descubra agora