Capítulo 6 - Guerras e tal

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Normalmente, as festas se tornavam um borrão para Harry no dia seguinte. Se tornavam apenas uma borra de café no filtro, fortes o suficiente para se ter certeza de que aconteceram mas menos intensas e interessantes do que a versão original. 

Normalmente, ele odiava as pessoas que se rebelavam contra o que tinha as levado até ali. Odiava quando negavam o passado e se achavam independentes das pessoas que as cercavam, como se a existência não fosse um emaranhado de linhas, um novelo que, não importa o quanto você tente, não pode ser desembaraçado. O homem não é uma ilha, ele costumava argumentar nas redações da escola. Odiava também tênis de cano alto, mas isso não vinha ao caso.

Normalmente, ele enxergava as festas de faculdade como um balé distorcido em que existia uma quantidade exata de esforço que deveria ser aplicado para que, sem deixar de ser como todos os outros jovens sem rumo ali, ele se destacasse.

Normalmente, quando ele passava dos limites e bebia demais, as memórias vinham em flashes, pequenas coisas durante o seu dia que o faziam lembrar da noite anterior e instalavam nele uma sensação leve de nostalgia e vergonha. 

Exceto naquela noite.

Naquela noite ele queria se esquecer de tudo por algumas horas. Queria esquecer que seu pai não tinha tempo nem espaço para ele ultimamente; queria esquecer que, lá fora, em algum lugar, sua mãe bebia um vinho caro enquanto conversava sobre coisas caras; queria até mesmo esquecer que ali dentro ele era a palavra de ordem; queria esquecer que seus amigos estavam com ele. 

Ser visto como uma peça única, sem conjunto e sem categoria. Experimentar a sensação de ser uma ilha. Como seria ser tão autossuficiente a ponto de suas raízes crescerem para dentro? 

Por isso, assim que ele cruza a porta de vidro do lugar, ele se separa de Niall, Liam e Sophie e bebe o primeiro shot que aparece na sua frente. Não saberia dizer o que estava ingerindo, mas era assim que queria lidar com as coisas naquela noite.

Alguns minutos depois as imagens que seus olhos formavam já não eram mais tão precisas, as cores todas se misturavam, assim como as bebidas no seu copo. A pista de dança era quente, suada e lotada mas ele se sentia isolado no meio de todos os desconhecidos que pensavam saber exatamente quem ele era. Eles não sabiam de porra nenhuma.

Eles não sabiam sobre nada na personalidade dele e isso incomodava. O perturbava o quanto ele era visto pelos outros como alguém que colecionava números de beijos em um bloco de notas no celular, era desconcertante saber que, saindo dali, ele seria outra pessoa completamente diferente, mas ainda pensariam o mesmo dele.

 Eles não faziam ideia de que Harry se sentia tudo menos descolado na vida real, de que tudo ali era fingimento. Não imaginavam que ele gostava de ouvir um garoto de olhos azuis falando sobre música. Não sabiam que ele era o tipo de pessoa que tem uma palavra favorita, o tipo de pessoa que bebe chá nas manhãs mais frias e que desenha rostos no espelho quando a respiração o faz embaçar.

Mas desde que ele se lembrava, era assim que lidava com as coisas. Quando terminou seu primeiro relacionamento, passou o final de semana todo fora de casa, indo de festa em festa, sem pensar em nada, e, na segunda feira, ele estava bem, não tinha mais um coração partido. Poderia parecer contraproducente intoxicar o organismo para limpar a alma, mas as pessoas têm mecanismos diferentes para lidar com os desafios que a vida apresenta.

Em algum ponto, a fumaça e o barulho começaram a ser demais para Harry, como se passar mais um minuto ali fosse estourar seus tímpanos, entupir seus pulmões. 

- Uma água, por favor. - Nunca, nunca esquecia de ser educado, por mais irritado que estivesse com a vida. Ninguém tinha culpa disso, ele tinha aprendida há muito tempo atrás. 

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