Na época em que tudo começou, eu estava com quarenta e seis anos e há um ano separada, após um casamento de vinte anos. Resolvi tirar um ano sabático para cuidar de mim mesma, olhar para dentro de mim, sem me envolver com ninguém, embora alguns amigos insistissem em me apresentar a pretendentes que não me traziam empolgação alguma.
Três dias antes de um dos feriadões do ano, Ana, minha melhor amiga, me ligou fazendo um convite:
— Jaque, estamos indo pra casa de praia nesse feriado e queríamos convidar você e Edu.
Eduardo era meu filho de dezesseis anos e, naquele momento, era o único amor da minha vida.
— Não sei se é uma boa ideia, Ana! — eu disse querendo me esquivar do programa.
— Ah, Jaque, vamos! Vai ser tranquilo. Só vamos nós mesmos. Eu prometo!
Eu sempre tinha receio quando Ana dizia que a programação ia ser tranquila, porque ela costumava marcar encontros, sem me avisar, com pretendentes que ela achava que serviriam para mim. Devido ao meu silêncio, ela continuou:
— E Júlia está aqui. Chegou ontem! É bom que você descansa e ainda ver sua afilhada! Faz quanto tempo que você não ver a Júlia?
— Alguns anos...
— Pois é! Vamos!
Acabei aceitando o convite, muito mais para que Ana parasse de insistir do que pela promessa de tranquilidade, já que ela costumava me enganar. Assim, na quinta-feira, eu e Edu pegamos a estrada rumo ao litoral. Chegamos à casa de praia dos meus amigos no final da tarde e encontramos na piscina da casa, Ana, Oscar, o marido dela, e Júlia, minha afilhada de vinte e quatro anos, que morava fora do país desde os dezessete. Não a via há cinco anos, visto que ela quase não viajava ao Brasil. Uma vez, Ana tinha me dito que ela não gostava daqui e que preferia que os pais fossem visitá-la.
Júlia tinha se tornado uma mulher muito bonita, diferente da adolescente que eu lembrava. Seus cabelos eram longos e encaracolados; seus olhos eram da cor do mel e a boca era carnuda e bem delineada. Tinha uma pele bronzeada, com algumas tatuagens espalhadas pelo corpo. Ela realmente estava bastante diferente de quando eu a tinha visto da última vez.
Meu filho e eu cumprimentamos a todos e, depois de deixar nossas malas nos quartos e trocarmos de roupa, juntamo-nos a eles. Eduardo logo entrou na piscina e eu me sentei à mesa com Ana e Júlia. Oscar estava na cozinha, do jeito que ele gostava, preparando mais petiscos para nos servir.
Passados alguns instantes, Ana foi chamada pelo marido e se dirigiu à cozinha para ajudá-lo. Para quebrar o silêncio que se formou quando ela saiu, tentei falar alguma coisa no momento em que Júlia começou a falar também. Essa simultaneidade nos fez rir e ela disse com um sorriso no olhar:
— Pode falar primeiro...
— Não era nada demais. Ia só dizer que você está bem diferente de cinco anos atrás... Mudou muito! — dei um sorriso sem mostrar os dentes.
Júlia me encarou, sorrindo. Após alguns segundos, bebeu um gole de sua cerveja e disse:
— Eu era bem estranha mesmo...
Sorri e coloquei o canudo da minha caipirinha ente os lábios e suguei o líquido, fitando-lhe os olhos. Ela me lançou um olhar tão penetrante, que me deixou bastante desconcertada. Então, desviei os olhos para o mar e ela continuou:
— Soube que você se separou do meu padrinho...
— Foi. Faz mais ou menos um ano. — respondi voltando meu olhar em sua direção.

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A AFILHADA
RomanceApós o divórcio de um casamento de 20 anos, Jaqueline resolveu tirar um ano sabático. Pretendia não se relacionar com ninguém por um bom tempo, pois queria cuidar apenas de si mesma. Seus planos foram por água abaixo quando, num final de semana na...