O Príncipe Sério

II

Passei o resto do dia virando o melhor amigo do relógio. Daria semana que vem e as oito da noite não vinham nunca! Já disse que é raro eu perder a paciência? Juro que é.

Não sei dizer exatamente o motivo do meu nervosismo. Eu mal sabia se realmente estava nervoso. Eu nem queria ir jantar com ninguém! Sobre o que eu ia falar com ela? Minha Seleção? Nem eu aguentava mais me ouvir falando sobre isso.

Finalmente as oito badaladas soaram fortes no relógio do salão do castelo e eu segui até os aposentos dos guardas, e, por incrível que pareça, eu não me atrasei. Algumas pessoas vinham me cumprimentando e fazendo reverências quando me viam e eu só abria um sorriso amarelo. Nunca gostei que me vissem como alguém especial e que merecesse atendimento diferenciado, sou só o Carter e queria que todos me tratassem assim, mesmo que eu soubesse que seria bem improvável.

Dei dois toques rápidos na porta do seu quarto e chequei meu reflexo em um espelho ali perto. Eu estava patético. A maçaneta gira logo em seguida e me deparo com ela e o mesmo sorriso encantador de antes.

Ela usava um vestido vermelho coberto por um bolero preto que seguia até a altura de seus joelhos. Reforçando: eu estava mais patético ainda.

— Oi. — Ela disse sem demonstrar muita emoção e avançou no corredor.

— Oi. — Repeti da mesma forma. — Pronta pra ir? — Perguntei simplesmente. Uma parte pequena de mim ainda estava interessada em seguir com esse encontro, então eu preferi deixar que ela tomasse conta da noite.

— Pronta! — Ela respondeu. Curta e objetiva. Estendi meu braço para ela, que hesitou por dois instantes antes de se entrelaçar ao meu.

O silêncio se instaurou enquanto andávamos até o salão de jantar e eu já estava ficando incomodado com aquilo.
— O que vai querer comer? — Eu deveria ter planejado alguma coisa melhor, mas eu nem sabia como fazer isso. Ela só me encarou e sorriu, provavelmente nem ela sabia o que queria comer e isso só conseguiu me deixar mais nervoso.

— Você é que é o francês. Achei que só comiam escargot. — Respondeu de repente, me fazendo rir. A imagem francesa relacionada aos caracóis ensopados realmente era forte e eu mal conseguia sentir o cheiro daquilo.

— Sinto muito em te decepcionar, mas eu não gosto de escargot. — Quase pude sentir sua indignação ao escutar frase tão contraditória como essa e continuei rindo.

Nos sentamos em uma das mesas postas e logo em seguida, um garçom vem até nós carregando dois pratos. Antes mesmo de levantar o cloche, eu já sabia o que era.
— Que delícia! — Esboço uma careta instantânea ao encarar a família de caracol recém saída do forno.

— Pelos céus, Carter...— Ela disse soltando uma risada que soava o desespero. — Acho que como um bom falso francês, você deveria comer os dois pratos. — Empurrou levemente o prato à sua frente na minha direção e me encarou sem conseguir mais prender a risada.

— Ou a gente come mesmo isso, ou a gente simplesmente foge daqui. — Retruquei sem compromisso e notei sua expressão mudar. Parecia que uma lâmpada se acendia no topo de sua cabeça.

— Vem comigo. Tenho uma ideia bem melhor. — Seguro na sua mão estendida e a sigo até a entrada principal do Palácio.

Ela conversou rapidamente com um guarda que nos observava um pouco afastado. "Kamg", dizia no seu crachá que li com dificuldade de longe. Ele desviou o olhar até mim por um momento e voltou a focar na Mare, que pedia alguma coisa. Sua expressão não parecia ser uma das melhores, mas a falta de luz alterava minha visão.

Ele voltou ao posto e um carro apareceu para nos levar à algum lugar.  Me aproximei do veículo e segurei na maçaneta da porta fazendo jus ao cavalheirismo francês que sempre habitou em mim. Assim que faço menção de abrir a mesma, ela põe a mão sobre a minha e ocupa o lugar da maçaneta a puxando por conta própria e entrando no carro.