Cizânia

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Fecho a porta do armário cinza desgastado, após ter pego minha mochila. Mais um fim de expediente e, desta vez, não iriei direto para casa. Vou no apartamento de Martins, buscar o restante das roupas e objetos que deixei por lá. Algo que protelei mais do que o necessário.

Estamos oficialmente separados a quase um mês.

Depois de transarmos pela primeira vez, e das constantes repetições que vieram nas semanas posteriores, percebemos que o que fazíamos configurava-se, socialmente, um relacionamento.

Nenhum dos dois estava em busca de um namoro. Porém, com a cumplicidade e intimidade que desenvolvemos, a necessidade de exclusividade e do todo o sexo, estávamos em um.

No trabalho, éramos discretos quanto ao nosso envolvimento, surpreendendo a quem descobria.

Foi o que aconteceu com Borges. O cadete me lançava elogios sinuosos com Martins ao meu lado, sem qualquer noção, e não por fazer isso na presença de Martins, mas porque eu era sua superior e estava em serviço. Quando abri a boca colocá-lo no seu lugar, Martins havia sido mais rápido:

— Você devia guardar seus "elogios" para quando não estiver perto do namorado dela, Borges — disse em um tom grave e brutal, sem sequer tirar os olhos da prancheta que segurava em mãos.

A transição das feições de Borges entre confusão, compreensão, surpresa e medo, diante do que Martins falou, fizeram nós dois rimos durante dias.

No total, foram quase dois anos de relacionamento. Até uma daquelas discussões por motivos bobos e inesquecíveis, mas que os envolvidos são orgulhosos demais para dá o braço a torcer, e ela se torna maior do que deveria.

A sinergia virou cizânia.

Não discutíamos com frequência. E, quando acontecia, era por questões corriqueiras que discordávamos ou porque o outro dava mancada. No último caso, quem vacilava, reconhecia seu erro. A sua maneira, claro! Mas desta vez, nenhum dos dois foi capaz de se responsabilizar. E de repente, estava cada um seguindo sua vida.

Martins que o diga, penso ao pôr a mochila no ombro, sair do banheiro e caminhar pelos corredores vazios da corporação em direção ao estacionamento.

Ele já havia se apropriado da solteirice e andava trepando outra. Dolores é o nome dela. Sei quem é porque, bem, é uma soldado da corporação, e eles não estão sendo discretos, pois a fofoca chegou aos meus ouvidos.

Mas por incrível que pareça, até para mim, a situação toda não afetou nossa relação profissional. Continuamos conduzindo os treinamentos sem qualquer estranhamento, afinal, somos bons no que fazemos.

Chego ao estacionamento e ele está quase vazio, a não ser por um ou outro veículo, o que sinaliza que não é fim de expediente apenas para mim.

O carro de Martins não está aqui, mas sei que ele não foi para casa. Quando avisei que iria ao seu apartamento, ele disse que veria um amigo, que não chegou a mencionar quem é e eu não fiz questão saber, e que passasse minha cópia da chave por baixo da porta.

Determinada a fazer oque ele me pediu e fechar esse ciclo, monto na minha Bros preta e sigo parao trânsito caótico das 18 horas.


No primeiro tintilar da chave na fechadura, começa a agitação no outro lado da porta, não muito diferente da primeira vez em que estive aqui, e ao abri-la, recebo uma Cotonete pulando, empolgada, em minhas pernas. É como se eu não tivesse parado de vir ao apartamento de Martins.

SINERGIA (Conto Erótico) - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora