Capítulo 17 - Coração Partido

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Se arrependimento matasse... Daniel estaria duplamente morto, não que isso fosse possível. Mas quem era ele para questionar o que era ou não possível?
Ele era um fantasma, algo em que não acreditava até se tornar um. De alguma forma, havia conseguido continuar a tocar, e ao lado de uma pessoa viva, o que era proibido. Além disso havia se apaixonado, algo que não havia acontecido nem quando estava vivo.

Quem diria, que não importava se seu coração não batia há mais de 30 anos, ele não poderia escapar do amor. Mesmo que não precisasse mais respirar, ainda o fazia por reflexo, então até que fazia sentido.

Desde sua morte, não havia se tornado menos inconsequente. Ele não respeitava as regras quando vivo e continuaria a desrespeitá-las, mesmo morto. Mas havia se tornado mais pensativo.

De vez em quando se pegava pensando, na vida, na morte, no que fez ou deixou de fazer. Era basicamente isso que fazia quando ia "espairecer". Andava por aí, pensando, observando o mundo a sua volta, muitas vezes imaginando que ainda estava vivo e podia aproveitar tudo aquilo.

Conhecer Julie... Essa experiência sozinha o havia mudado tanto, e de tantas formas possíveis... Era impossível para ele imaginar algo assim até que tivesse acontecido.

E então... se apaixonar por ela. Uma paixão nova, em todos os sentidos, e uma experiência realmente assustadora.

Muitas vezes por dia se pegava pensando nela, no que estaria fazendo. Outras vezes a seguia, invisível, para matar sua curiosidade e estar ao lado dela, mesmo que ela não soubesse.

Estava rendido de tantas formas... Era aterrorizante. Ele, Daniel, o típico rebelde sem causa, sarcástico, bad boy... Apaixonado. Tentando ser romântico e carinhoso, sofrendo por amor, escrevendo músicas calmas e tenras ao invés do rock metálico usual. Ele realmente havia mudado.

De repente parecia que tudo na Terra o ligava a ela, de uma forma inexplicável. Se preocupava com ela, mais que o normal. Sentia uma enorme necessidade de estar sempre perto dela e de fazê-la se sentir bem, quase como um feitiço. Daria tudo para poder ficar com ela, para protegê-la de tudo a qualquer custo. Era viciante.

Por isso mesmo, precisou ser completamente honesto com ela. Precisou dizer a ela as coisas horríveis que havia feito para afastá-la do Nicolas. E precisou suportar a enorme dor em seu peito quando ela gritou com ele, com razão.

Lágrimas nos olhos, coração despedaçado. Pediu desculpas mil vezes, mas ela ainda estava brava demais para ouvir. Foi assim que ela o deixou naquela noite: sozinho e abandonado em um balanço.

No dia seguinte, tentou conter o impulso de acompanhá-la até a escola. Inútil. Seguiu-a de perto, invisível.

Viu a coisa toda. Nicolas chegando atrasado para a aula, vestido da cabeça aos pés como um cavaleiro medieval. O rosto de Julie na janela. Ela correndo até ele no pátio. E o beijo. O maldito beijo que acabou com o que restava de seu pobre coração.

Ela estava tão feliz. Contrastava bem com a tristeza imensa que estava sentindo.

Ela o perguntou se continuariam com a banda. Como poderia não continuar? Morreria um pouco a cada dia, pleonasmo eu sei, só de ver os dois juntos, só de saber que estavam juntos. Mas como poderia não aproveitar o pouco tempo que passaria ao seu lado, ensaiando com a banda? Cada segundo seria precioso, mesmo que nenhuma nota cantada fosse direcionada a ele.

Ela saiu, indo ao encontro daquele que agora era seu namorado. E Daniel nada poderia fazer, a não ser aceitar e afogar suas mágoas, cantando sua tristeza.

***

Arcade (Duncan Laurence)

Um coração partido é tudo que restou
Ainda estou concertando as rachaduras
Perdi alguns pedaços quando
Eu carreguei até minha casa

Tenho medo de tudo que sou
Minha mente parece uma terra forasteira
Silêncio tocando em minha cabeça
Por favor, me carregue até minha casa

Eu gastei todo amor que guardei
Nós sempre fomos um jogo perdido
Garoto de cidade pequena em um grande fliperama
Eu me viciei em um jogo perdido
Tudo que sei
Amar você é um jogo perdido

Quantos centavos na fenda
Desistir de nós, não custou muito
Eu vi o fim antes de começar
Ainda assim eu continuei

[...]

Não preciso dos seus jogos, game over
Me tire dessa montanha-russa

[...]

***

Saiu da edícula sem nenhum destino em mente. E desapareceu por um longo tempo.

E se...?Onde histórias criam vida. Descubra agora