capítulo 1

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19 de Fevereiro de 2014.

    Rasguei o embrulho com emoção, tirando de lá uma caixa quadrada e grande. Levei até a orelha e balancei levemente:

— É frágil! Abra logo. — Minha mãe sorriu emocionada, dava para ver seu medo caso eu quebrasse. Seja lá o que estiver nessa caixa, estava me deixando ansiosa. Era branca e tinha apenas o nome da marca, não pude reconhecer. Puxei a tesoura gigantesca ao meu lado, afundando em uma das abas de papelão e cortando sem piedade. Voltei ela para o tapete e inclinei minha cabeça com um enorme sorriso, espiando por dentro dela.

— Eu não acredito! Eu não acredito! — Pulei ao ver as peças do telescópio amarelo, já era de noite e eu não podia fazer tanto barulho. Mas tinha um desconto quando era meu aniversário, incluindo poder escolher as comidas e canais de televisão. Estávamos na sala com a lareira ligada, lá fora parecia começar uma chuva.

  Pedi por anos esse presente, meu sonho era ser cientista ou estudar as estrelas. Crescer vendo o céu todos os dias acabou sendo um grande incentivo, assim como meu pai que as estuda. Minha mãe é religiosa e você já viu, junta os dois no que vai dar, um falando que não tem sentido as estrelas ser os falecidos, e o outro falando que tem sim.

  — Vamos montar! — Falei logo após de exclamar um "woow". Meus olhos brilharam, peguei a caixa já aberta e corri até a mesa da copa. Meu pai sorriu sem mostrar os dentes, puxando uma cadeira e sentando na mesma. De tão ansiosa que estava, fiquei de pé enquanto batucava os dedos em uma cadeira. O relógio deu algumas voltas, e pronto! Estava feio e pronto.

   Na cozinha ao lado, mamãe sorria ao fazer o macarrão e as panquecas. Sempre pedia a mesma coisa em todos os aniversários, mesmo meu pai não sendo muito fã de macarrão, e minha mãe de panqueca. Por isso que era meu pedido de sempre, se dependesse deles, nunca que comeriamos isso. Todavia, na minha cabeça, panquecas e macarrão é a melhor combinação de todas!

  Vejo ela tampar as panelas e vir em nossa direção, avisou que estava quase pronto e sorriu vendo meu pai colocar o telescópio na minha frente. Ele regulou para que eu conseguisse ver, já que no dele era bem difícil. Aquele era ideal para uma adolescente de quatorze anos e pequena como eu.

— Quer ver do seu quarto? Como está chovendo, apenas veja da janela. Mas cuidado, se começar os raios e trovões você sai de perto. É perigoso, ouviu? — Minha mãe falou, eu balancei a cabeça em positivo e peguei o telescópio amarelo. Correndo sorridente e subindo a escada em pulos.

  Quando cheguei no quarto, fechei a porta e corri até a escrivaninha. Coloquei o aparelho sobre ela, e empurrei até a janela com facilidade. Afastei a cadeira já que seria desnecessária, e mudei a lente para que pudesse ver. Meu sorriso só aumentou quando vi as estrelas de perto. As duas estrelas brilharam como sempre, suspirei triste e coloquei minhas mãos no telescópio.

— Será mesmo que são vocês? Sinto tanta saudade. — Falei cabisbaixa, logo os raios e trovões vieram de repente. Dei um pulo de susto, escutando minha mãe gritar para eu descer.

   Afastei o telescópio da minha frente, o que fez sua lente cair pela janela.

— Não! — Gritei enfiando minha cabeça para fora, meus cabelos aos poucos iam molhando, assim como meu braço estendido na direção da lente, indo junto com a água da chuva. Só que não reparei, quando um raio atingiu a ligação entre minha cabeça e a janela. Ela quebrou tão alto quanto meu grito, a dor era a pior que já senti. O pouco que me inclinei para a frente, senti meu corpo escorregar pela janela, as pernas que estavam apoiadas sobre a escrivaninha, foram em um só rumo.

   Por pouco não fui de cabeça no chão, após a enorme volta que dei até chegar no chão, senti o impacto das minhas costas no chão da calçada. O barulho foi horrível, como se minha coluna estivesse quebrado. Os cacos de vidro todos em meu corpo, olhos vidrados. Não tive tempo de pensar, só vi minha mãe chorando e puxando minha cabeça para apoiar na sua perna. Meu coração apertava mais, enquanto parava aos poucos. Já era tarde quando fechei os olhos.

   Após a chegada da ambulância, fui levada às pressas para o hospital. O que aconteceu? Bom, eu não sei. Estava ocupada demais, entretida demais com o que estava fazendo. Andando em um lugar azul claro, haviam nuvens meio amareladas. E nelas, chaveiros pendurados, feitos de ouro. Eram exatamente quatorze, 2004 - 2014.

  Na medida que tocava neles, memórias passavam na minha cabeça. De cada ano, por fim, a última, do pouco que tive nesse ano. Dois meses foram suficientes para ter memórias incríveis, todos os dias era alegria em casa. Não pude aproveitar muito da escola nesse ano, de alguma forma eu sabia que não iria mais voltar. Aqui era o meu lar. Queria esquecer de tudo, era como se esse caminho de memórias fossem o desfecho. Era a última vez que estava sentindo e presenciando todas elas. A partir dali, seria uma nova vida.

  Deixei o chaveiro cair da minha mão, mas ele continuava pendurado na última nuvem. Minha expressão neutra se direcionou para a porta, branca e de detalhes dourados. Estendi minha mão, andando lentamente até ela. Meus dedos tocaram a maçaneta em forma de círculo, forcei eles ali e girei. De repente tudo ficou escuro, senti um frio bater no meu corpo. Eu ainda usava o vestido rosa claro do meu aniversário, abracei meus braços e andei mesmo sem ver absolutamente nada. Era uma solidão profunda e dolorosa, mergulhada em esperanças. Eu sabia do que se travava aquilo.

  Uma luz bem pequenininha, do tamanho de uma moeda, brilhou longe. Agora aquele era meu foco, eu dava passos largos pelo chão negro. Meus cabelos voavam, e o chiado do vento machucava meus tímpanos. Respirei fundo sem tirar os olhos dela, aos poucos ficava do tamanho de um pote de iogurte, sapato, televisão, e por fim. Estava tomada pela claridade, naquela altura meus braços já estavam cobrindo meu rosto para não me cegar.

   Mas os afastei assim que ouvi o som das ondas e dos pássaros, abri um pouco o espaço entre meus lábios e dei um giro de 360° sobre meus tornozelos. A escuridão não estava mais lá, apenas uma ilha calma e tranquila.

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