Acordei com um desconforto na orelha, bati a mão algumas vezes. Mas aquilo não parou, era possível escutar o som do mar. Os pássaros que passavam voando, até me esqueci de sair da cozinha, acabei por dormir ali mesmo. Abri meus olhos ao sentir uma dor, dando de cara com um louro. Sim, um louro beliscando minha orelha.
— Sai! Sai daqui! — Gritei empurrando ele pela mesa.
— Quem é você para empurrar o Adalberto? — Sadie surgiu na cozinha. Incrível como ela tinha essa habilidade, surgir quando bem a interessa e só para brigar. — Vem aqui Berto, psi psi.
O louro deu uma última beliscada no meu braço, fazendo um corte pequeno. Tombou a cabeça, olhando fixamente para mim e subindo pela mão da ruiva. Rapidamente ele já estava em seu ombro, Sadie tirou um pequeno chapéu de pirata do bolso, passou o indicador para tirar a poeira, e colocou em Adalberto.
— Cadê minha comida? Comigo não tem moleza, ninguém mandou invadir meu bebê. — Falou ríspida, com um sotaque torto e estranho, sua língua batia no céu da boca no começo de cada palavra. Ela também brilhava, como eu. O glitter no corpo era natural, e parecia não a incomodar.
— Comida? Eu tive que comer pão de jantar, se vire você! Sua louca. — Me levantei cruzando os braços, a ruiva levantou uma sombrancelha. Deixei meus lábios caírem como um semblante triste, batendo os pés até o armário.
Peguei o saco de pães e abri com brutalidade, olhando para ela de canto. Sadie permanecia reta, neutra e intimidante.
— Você não me disse quantos anos tem. — Falei enquanto tirava o recheio do pão, e colocava um pouco de carne seca.
— Isso não te interessa, menina enxerida! Me alcança o suco. — Sentou na cadeira, batendo os braços na mesa como um homem das cavernas. Coluna caída, e com o louro irritante no ombro. Ele repetia cada frase, estava para eu pegar um pão e enfiar goela a baixo nele.
Deixei o pão na bancada e abri a geladeira, tirei de lá uma garrafa transparente de água, mas que tinha suco. Era meio ralo, fiz uma careta desagradável e peguei o pão. Indo até ela e entregando, observei Sadie comer sem ao menos agradecer. Agora foi a minha vez de cruzar os braços e erguer uma sombrancelha.
— O que foi? — Perguntou cínica, se levantando e jogando a garrafa na pequena pia. Limpou as mãos na roupa e puxou um avental em forma de saia, veio na minha direção e passou pela minha cintura. Dando um nó, e dois tapas no meu ombro. Passou primeiro a língua pelos dentes, antes de falar. — Lave o convés.
— E.eu não sei! Você está folgando demais em mim. — Me exaltei. Claro, não tinha como não se exaltar diante daquela situação. Eu só tinha quatorze anos, ou pelo menos, achava que tinha. Era preciso várias experiências e aprendizados com eles.
— Criança de dez anos, não seja tola e molenga. Se vai ficar aqui por meses, que seja ajudando. — Caminhou até o alto, tirando a âncora do mar e voltando a atenção para o leme.
— Não tenho dez... Esquece. — Levantei rapidamente as mãos, cruzando as sombrancelhas e puxando uma porta ao lado. Peguei um balde de alumínio e enchi de água e sabão.
Eu estava lavando o convés do Sink, igual um bicho. Enquanto ela ao menos se dava o esforço de agradecer, às vezes olhava para trás e sorria cínica. Às vezes parecia com remorso, vai entender essas louca. Eu sinceramente estava odiando esse lugar, de bom só a paisagem. Quando a noite chegou, tirei o avental da cintura e sentei com dificuldade no chão, gemendo de dor de cabeça. O cheiro era o melhor, mas a dor era mais forte.
— Vai dormir aí, ou em sua cama? — Perguntou ao passar neutra ao meu lado, deixei-me levar pela tentação, virando lentamente a cabeça como um cachorrinho esfomeado. Ainda confusa.
Pensei antes de perguntar, mas quando abri a boca, ela sumiu pelas escadas. Levantei bufando e segurei firme na madeira, meus pés quase não aguentavam subir aquela escadinha estreita da parede. Meus cabelos voaram assim que fiquei de pé no andar, era descoberto. E o mais alto, claro que menor. Para ser mais específica, o teto da cozinha e do quarto de limpeza. Haviam duas portas, em uma Sadie acabara de entrar, então na outra seria o meu quarto.
Com cuidado abri a porta, tossi um pouco assim que a poeira invadiu minhas narinas. Tateei a madeira, em busca de um interruptor. Apertei o botão de luz, era fraca, piscava, quase perdendo toda a iluminação. No canto uma cama baixa e de aparência horrível, o senhor vai me desculpar. Mas como dormirei nisso?
Ao lado, não pude esquecer de perceber, um baú marrom cheio de adesivos.
— Não toque ali! — Sadie me assustou, o coração foi à boca e voltou. Parei aonde estava, para vê-la indo até o baú e cobrindo com um lençol velho e rasgado. Ótimo, mais poeira. Se antes não tinha alergia, pode ter certeza que agora tenho. — Não ouse tocar, olhar ou pensar nisso aqui!
— Eu não fiz nada... — Sussurrei mais para mim, do que para Sadie. Já que ela havia ido embora em um segundo. Por que me deixou dormir aqui então? Ou melhor, por que não tirou ele daqui? Já que não quer que eu toque.
Fui até a porta e a fechei, respirando fundo. Sentei na cama e tirei meus sapatos, não estava vermelho. Nenhuma marca, apenas o glitter delicado e brilhante. Eu parecia uma bonequinha. Indefesa e submissa a uma louca sem vergonha. Dei uma última olhada para o baú e deitei na cama, a madeira da mesma caiu um pouco, pude escutar o ruído e os pedacinhos caindo no chão. Se eu não quebrasse essa cama de noite, seria lucro.
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SINK | Sillie.
AdventureMillie tinha apenas quatorze anos, quando foi vítima de um raio na chuva. Mesmo sendo atendida rapidamente, não foi possível salvar sua vida. Ela só não esperava que os mortos realmente viravam estrelas, e que teve a benção de viver no paraíso...